22 setembro 2007

Múltiplos livros

Desafiou-nos o jpn para uma corrente de livros. Nós, que até somos raparigas de nos ficarmos nestas coisas, apesar de já nos ter fugido o pézinho para o chinelo da resposta, desta vez damos luta. Vamos responder. Surpreendendo tudo e todos, incluindo nós mesmas.
Tratando-se de um blog colectivo, preparámos um jantar e estivémos até às 3h e picos da manhã a discutir o assunto. Na realidade, qualquer desculpa é boa para estarmos juntas e conversarmos. Livros não nos parece má ideia.

Decidimos, então, distribuir a coisa por categorias, sendo que cada uma teve direito a uma das escolhas. Mantendo a aura de mistério que nos caracteriza, não dizemos quem escolheu o quê, fica à escolha do freguês. No fundo, somos uma só com personalidade múltipla.

LIVROS QUE NOS MARCARAM

- Todos os de 'Os Cinco', Enid Blyton - porque foi com eles que comecei a gostar de ler, com a luz do candeeiro da rua que me entrava pela janela, porque já tinha passado a hora de dormir.

- Conceitos Fundamentais da Matemática, Bento de Jesus Caraça - porque finalmente percebi que a matemática existe e para que serve. Demorei 18 anos da minha vida a perceber isso.

- Anna Karenina, Tolstoi - porque foi escrito para mim.

- 7 anos no Tibete, Heinrich Harrer - veio com os iogurtes danone no ano passado e abriu-me todo um mundo novo desconhecido.

- O Principezinho, Saint-Exupery - porque me ensinou a responsabilidade por aqueles que cativamos. Porque li de tantas maneiras diferentes desde que a minha mãe mo deu na 1ª classe.

- Simposium Terapêutico, de 1996 - nada melhor para uma hipocondríaca como eu [e com uma vocação perdida para a medicina], este livro à cabeceira. Pela primeira razão evocada, mas também pelo efeito hipnótico que tinha, outras vezes pelo figuraço que fazia a discutir princípios activos com o farmacêutico do bairro.

- Todos os do Sam Shepard, pela visão cinematográfica.

[consenso geral com Eça de Queiroz e Garcia Márquez. Tudo o resto deu batatada e acesas discussões]

LIVROS QUE NOS PASSARAM AO LADO

- O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago - porque as 5 primeiras páginas me aborreceram de morte e não li mais. Não consegui.

- Todos os livros do clube de 'Os 7' e todos os manuais do curso de direito de Lisboa - pela presunção dos primeiros e pela altura da vida em que tive de ler os segundos.

- Qualquer coisa da Isabel Allende, nem me lembro do nome.

- Nem me lembro, passou-me mesmo ao lado.

- Os Filhos da Meia Noite, Salman Rushdie - porque fui capaz de o largar a 50 páginas do fim.

- Eurico, o Presbítero, Alexandre Herculano - muito melhor que um xanax para adormecer. Tive que o ler mas não retenho nada.

- Todos os de Harry Potter e todos os do Paulo Coelho.

LIVROS QUE NOS CHATEARAM DE MORTE

- Memorial do Convento, José Saramago, ainda mais do que os três volumes da História do Direito, Ruy de Alburquerque.

- Um artigo sobre bioética que tive de traduzir e que era uma chacha tão grande, tão grande...

- Viagens na Minha Terra, Almeida Garrett - de cada vez que começava a ler adormecia.
- Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago - porque me obriguei a lê-lo até a fim para perceber porque é que lhe deram o prémio Nobel. Não percebi.

[a esta altura instalou-se uma acalorada discussão sobre as qualidades literárias deste escritor, dividindo-se as opiniões]
- Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett.

- Fonética e Fonologia, da Universidade Aberta. Porque tive mesmo de estudar.

- Todos aqueles que deixei a meio, quebrando o meu compromisso de ler qualquer livro do princípio ao fim. Foram alguns e nem me lembro deles.
- Não me consigo lembrar de nada mais angustiante que Eurico, o Presbítero, Alexandre Herculano (saiu repetido, mas nós somos muitas, dá nisto. Além de que o livro é mesmo chato que se farta).

LIVROS QUE NOS FIZERAM SENTIR BURRAS

- Os Passos em Volta, Herberto Hélder.

- O Pêndulo de Foucalt, Umberto Eco, que comprei com o meu dinheiro na feira do livro, e me esforcei meses a fio para ler e não consegui, sempre a tentar a tentar, e a sentir-me burra por não conseguir entrar.

- Quase tudo o que é poesia, tirando Fernando Pessoa, aqueles mais evidentes.

- Livros ‘inteligentes’ sobre história contemporânea.

- O suplemento de economia de qualquer jornal, incluindo todo o Diário Económico e o Jornal de Negócios.

- Finnegans Wake e Ulisses, ambos de James Joyce.

- Qualquer manual de matemática e os manuais de instruções do Ikea.

Agora temos de marcar outro jantar para decidir a quem mandamos seguir a marinha da corrente (ou talvez não).

Last but not least, por causa deste post reavivámos as memórias de infância da nossa insular múltipla, a quem os livros chegavam num barco com nome de parteira new age. As suas palavras transmitem bem o seu (e o nosso) amor pelos livros:

Em sítios onde a oferta de livros era pouca, a chegada do Doulos era um maná de programa - ir à doca, subir a prancha de embarque, sobreviver a tanta gente que lá estava (ainda me lembro do calor e de querer tirar o meu casaco de lã azul escuro com pompons, e não me deixarem porque se podia perder na confusão) e depois aquele fantástico gelado com xarope de morango - e de livros, livros em estantes, livros em caixas, livros em sacos, o espreitar e ver o que havia, cheios de cor, cheios de capas, letras, desenhos, o tocá-los e eles mesmo ali ao lado....

9 comentários:

dorean paxorales disse...

(ena, sou o primeiro!)

Caríssimas,

A vossa suscitou-me três pequenos pequenos reparos:

-quem pertence a esta geração só por saloiíce não considera 'Os Cinco' uma das obras literárias mais influentes na sua vida;

-também nunca passei das primeiras 30 páginas da 'monumental obra de j. joyce'. explicaram-me que a culpa era da tradução. um dia lerei o original e logo vos digo (tá-se mesmo a ver que sim...);

-não entendo a sentença dada ao 'O Pêndulo de Foucalt'. assim que lhe peguei, não consegui parar e quase chorei quando acabou. quando o reli, há menos tempo, a partner da altura esteve a milímetros de me arrancar o livro das mãos e deitá-lo pela retrete abaixo (acho que para tal terão contribuido bastante as minhas secretas sessões escondido na casa-de-banho a pretexto de);

-quanto ao sir amargo, nada a dizer. intelectual de taberna armado ao telúrico, o homem nunca teve um pingo de originalidade a escorrer por aquela testa abaixo.

dorean paxorales disse...

passa a quatro!

sem-se-ver disse...

acho que este é o melhor post que li desta corrente.

além de me ter divertido imenso com as categorias arranjadas e algumas das justificações, subscrevo inteirinha isto: «- O suplemento de economia de qualquer jornal, incluindo todo o Diário Económico e o Jornal de Negócios.». também me sinto invariavelmente burra.

dizia ela baixinho disse...

dorean,

lembrei-me extemporaneamente de uma categoria q não cheguei a propor ao colectivo, mas q acho q faria todo o sentido:

livros para ler depois da 'reforma' (seja lá o q isso for, agora ou daqui a uns anos). quero com isto dizer que - muito provavelmente - grande parte da incompreensão perante determinado livro resulta do período da vida em que foram lidos. joyce parece-me um autor q encaixa na categoria q referi acima.

(há uns anos reservei p essa época da vida os volumes do proust, 'em busca do tempo perdido'. pareceu-me adequado. até agora i've kept my promise)

por outro lado, não sei se o livro 'noites brancas' de dostoievski - um dos que me marcou indelevelmente - teria o mesmo impacto nesta minha actual fase da vida. como não quero arriscar uma desilusão, nunca volto a ler um livro já lido. aqui tb vale a máxima, 'so many books so little time'...

sem-se-ver,

para além do suplemento de economia que referiu - e enquanto decidimos (ou não) se lançamos o repto a outros blogues - quer ser tão gentil e dizer-nos que livros a transformaram/marcaram/maçaram?

está o resto dos leitores convidado a fazer o mesmo.

sem-se-ver disse...

:S:S:S:S:S

ai eu a ver se me livrava desta!!!

glup!

Anónimo disse...

"- O suplemento de economia de qualquer jornal, incluindo todo o Diário Económico e o Jornal de Negócios."

.. este é um handicap tão grave como passar pela vida sem ler o "Porquê das coisas". A economia é o porquê das coisas (não cobrindo as não-coisas, porque essas não aparecem no balanço).

sete e pico disse...

eu bem sei manyfaces, eu bem sei, e bem esforço por aprender esse denso mundo da economia e das finanças, por ler amartya sen e max neef, mas os suplementos de economia e os jornal de negócios são mundos inacessíveis para mim, por mais que tente não consigo meter na cabeça o que é o dowjones, nem perceber realmente as opas e a bolsa e o maravilhoso mundo do imobiliário. Mas não desisto, hoje fazem-me sentir burra, amanhã serei eu a escrever artigos para lá a contar sobre as tendencias das acções da minha megacompanhia de lojas de massagens e chapéus.

sete e pico disse...

(esclareca-se que ler amartya sen e max neef são actos de crença em que a economia pode ser diferente daquela que nos contam, ou seja, o mundo das finanças e dos negócios em que a parte humana parece ser posta de lado, são de facto inacessíveis para mim, mas ainda acredito que é possível um mundo com um sistema económico não economicista)

[A] disse...

partilho contigo a categoria dos que nme fazem sentir burra. Andei a ler o Pêndulo (que tb não terminei) de diccionário...mas hei-de lá chegar.
Às vezes penso que sou eu pópria que ainda não estou preparada para determinadas leituras.

Ah...é verdade antes d´Os Cinco só o Babar.