17 novembro 2006

Tou a perceber...

Um famoso serial killer norte americano andou durante anos, livre e tranquilo a passear por todo o país conseguindo matar, ao longo da sua jornada psicótica e cariz sexual, 38 pessoas, cada uma de forma mais original que a outra e deixando pistas por todo o lado atrás de si. Na sua peugada estavam quase todas as forças policiais americanas mas ninguém parecia conseguir apanhar o homem mesmo até quando o dito senhor se resolveu esquecer de um dos ténis que calçava num dos locais de crime, qual Cinderela from the Dark side. A partir desse momento o seu fim estaria perto não fosse a competitividade e a mesquinhez de valores humanos falarem sempre mais alto. A força policial que naquele estado, tinha a seu cargo este caso fez o favor de não comunicar às outras parcerias o achado do sapato, guardando a prova só para si, esperançados talvez que o homem pudesse voltar a atacar por ali e que fossem eles a receber a atenção dos media e a medalha de louvor, pelo que o assassino pode assim andar mais uns anitos à solta a ceifar outras vidas.

Já em Portugal, apesar de menos grave, gostava de focar a "eficaz" cooperação entre os departamentos internos das repartições de Finanças através de um diálogo girissímo e tão acolhedor que tive oportunidade de ter com duas das funcionárias. Deve ser o espírito de Natal que nos torna mais sensíveis. podia ser pior. Podia ter estado a chover.

Depois de tirar a senha azul respeitante aos pagamentos do IVA e de esperar uma hora para ser atendida.

- Boa tarde, recebi uma notificação duma execução fiscal em curso sobre uma dívida ao IVA. Acontece que tenho aqui uma fotocópia comprovativa de liquidação de todas as dívidas existentes no ano de 2004.

- Pois, mas aqui no computador diz que tem uma execução pendente respeitante a declarações do ano de 99.

- Como pode ser isso se em 2004 deram como findas todas as minha dívidas?

- Bem , isso já não é connosco, é ali com o balcão de execuções fiscais.

Depois de tirar a senha verde respeitante ao atendimento para as execuções finais e de esperar mais outra hora para ser atendida.

- Bem, estou a tentar perceber porque é que recebo informação vossa em 2004 a dizer que já não existem nenhuns pagamentos pendentes e no entanto acabo de receber informação a dizer que afinal há....

- Pois há, de 99..

- ok, e como pode isso ser possível, então ando a receber informações contraditórias.

- Não porque você até pode já ter pago tudo respeitante ao IVA mas entretanto ter execuções fiscais pendentes que passaram para nós.

- Bom, nesse caso seria lógico que me tivessem avisada disso logo em 2004 e não anos depois.

- Ah isso, pois, mas é que isso não é assunto deles...

- O que me está então a dizer é que não existe interacção nenhuma entre vocês e eles, é isso? O que me está a dizer é que eu se por acaso uma pessoa tiver a sorte de se dirigir primeiro ao balcão do IVA descobre que não tem quaisquer dívidas ao Estado mas se por outro lado tiver o azar de vir a este balcão em primeiro lugar, então a história é outra e descobre que afinal tem dívidas até ao pescoço que entretanto já atingiram valores inimagináveis por causa dos juros de mora, etc..

- E muita sorte já tem a senhora que agora até temos os computadores ligados em rede Nacional, quando eu vim para cá trabalhar nem havia nada disso, tá a perceber?

Tou. Tou.

4 comentários:

Anónimo disse...

Kafka adormece naquela cadeira, ao canto da repartição de Alvalade e escuta a conversa de circunstância entre duas Senhoras que, apesar de não se conhecerem, se confessam enternecedoramente uma à outra. Filhos, maridos, amantes, uma sofreguidão confessional que imagino que só seja possível aqui numa repartição de finanças, em Alvalade, Lisboa, Portugal.
Noutra cadeira uma pessoa é atendida pelo funcionário de serviço.
- Dirigo-me a este balcão para vos informar que recebo em minha casa todas as semanas estas cartas. São dirigidas a um Senhor que não habita em minha casa.
- São cartas de cobrança coersiva. Esta morada não é a sua?
- É, mas esse Senhor não mora lá.
-....Pois, mas no nosso sistema esse Senhor tem essa morada, por isso vai continuar a receber cartas dele.
- Mas ele não mora lá. Posso prová-lo. Solicito de mudem a sua morada.
- Não podemos fazer isso. A morada só pode ser mudada pelo próprio.
- Mas vocês sabem que a morada é falsa. Posso prová-lo.
- O nosso sistema não permite colocar alguém com morada desconhecida. Esse Senhor para nós tem a sua morada, até que se dirija a este serviço e a modifique.
- Mas tudo indica que esse Senhor deu morada falsa, de má fé. Vocês estão a pactuar com uma fraude. É inadmissível.
-Lamento.
- Mas se nada fizerem a cobraça vai para tribunal e eu vou ser incomodado com isso...
- De facto pode acontecer.
- O que pode acontecer exactamente?
- Repare, o que lhe vou dizer é muito raro, mas as finanças podem penhorar o recheio da casa dos contribuintes em dívida.
- Bem, nesse caso quando for intimado poderei provar que o recheio de minha casa não pertence a esse Senhor.
- Sem dúvida, como vê não vai ter problema nenhum... A não ser que...
- Sim?...
- Se você tiver mesmo azar podem intimá-lo num dia em que você não esteja em casa. E se se repetir podem forçar a entrada. Mas ouça, isso nunca aconteceu por aqui, fique descansado.

Kafka continua a dormitar, olhos semi-cerrados. A sala agora está cheia, e numa outra cadeira uma Senhora esbraceja, exaltada.
- Eu paguei, eu paguei o IRS. Não me obriguem a pagá-lo outra vez só porque perdi o recibo...

Anónimo disse...

por acaso nao me admira, é mais uma prova de que o Estado não é Pessoa de Bem.
Mas também se calhar já nem se ensina na escola o que é ser Pessoa de Bem. O que é a Honra....e enfim, todos esses valores que ando a tentar recordar a cada passo, tal é a avalanche de atitudes deste Estado que é o meu, e que tanto me envergonha.( claro que este texto deveria todo ele ser escrito em maiusculas e as unicas minusculas seriam as que se referem a este Estado)

Anónimo disse...

dividas de 1999 prescrevem em 2004.

Anónimo disse...

eu também já tive uma situação parecida e depois de andar de computador em computador, de senha em senha, lá veio o chefe da repartição de finanças e não tendo encontrado nada resolveu escrever um email ao serviço central, pedindo para dar por concluido o processo. Tive sorte, que nesse dia o simplex resolveu fazer das suas e foi uma limpex