24 dezembro 2006

Ladainha dos póstumos natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja nem um verso deste livro.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito.

David Mourão-Ferreira in “Cancioneiro de Natal”, 1986.

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