13 dezembro 2006

Ainda o protesto ao Feira Nova

Há uns meses atrás fiz um protesto a uma campanha do Hipermercado Feira Nova que promovia a compra de produtos de limpeza dirigidos a mulheres e a meninas. Depois das respostas das várias entidades a quem enderecei o email, obtive por fim a resposta do Feira Nova:

"Exma. Senhora,
Acusamos a recepção do seu e-mail de 09 de Outubro, o qual mereceu a nossa melhor atenção. Relativamente à Campanha Comercial em questão informamos que, no que respeita à ideia criativa que lhe deu origem, não iremos pronunciar-nos,uma vez que a mesma não resulta da nossa autoria, sendo a marca Vileda quem melhor poderá esclarecer quais os pressupostos em que a mesma assenta. Todavia, e na medida em que a vossa reclamação nos é dirigida e a Campanha em causa estava em curso no nosso estabelecimento comercial, não podemos deixar de registar que lamentamos que a mesma tenha susceptibilizado alguma nossa cliente, facto que, de todo, não antecipámos. Do nosso ponto de vista, pretendíamos, apenas, comunicar com os clientes que, estatisticamente, nos são apresentados como aqueles que mais adquirem a grande maioria dos produtos que comercializamos, independentemente de virem a ser, ou não, o seu destinatário final. Daí o vector da comunicação ser a compra e não a utilização. Não podemos, pois, contemporizar com as intenções que nos imputam. Trata-se de uma mensagem acrítica e objectiva, dirigida a quem a estatística identifica como comprador. Tal mensagem não reflecte quaisquer comportamentos sociais, conteúdo para o qual sempre careceria de informação, ou, sequer, visa promover a composição das responsabilidades domésticas, função estranha aos seus propósitos estritamente comerciais. A intervenção desta insígnia junto da comunidade revela-se nos inúmeros projectos de Responsabilidade Social de que é mentora e dos quais muito se orgulha. Cumpre, por isso, a quem nos avalia, saber distinguir entre comunicação cívica e comunicação comercial, para bem da verdade. Para bem do respeito pelo exercício da cidadania.
Sem mais, de momento. Apresentamos os nossos melhores cumprimentos,
A Direcção Comercial de Feira Nova Hipermercados S.A.,"
Fica-me então a ideia que, para o Feira Nova, a comunicação cívica e a comunicação comercial são dois campos opostos, não devendo "para bem da verdade" cruzar-se entre si. Direitos, direitos, negócios à parte... Nada que não se esperasse, mas que mais uma vez confirma que ainda há muita pedra a partir para convencer o poder económico que este não pode estar desconectado dos direitos sociais.
Entretanto, a CIDM também mandou outra carta, mais esclarecedora (e sintética) do que a primeira.
Exma Senhora,

Li com atenção o seu mail ao qual passo a responder:
1. A promoção dos produtos de limpeza do Hipermercado Feiranova é uma situação que factual e directamente desconhecemos, mas que a corresponder ao que nos descreve, nos leva a partilhar a sua preocupação, parecendo-nos configurar uma situação em que está em causa não só a dignidade da mulher em particular e da pessoa humana em geral mas também a promoção da igualdade entre homens e mulheres, que são príncipios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

2. Nos mails que nos enviou verificámos que deu conhecimento do seu protesto contra a promoção dos produtos de limpeza do Hipermercado Feiranova, ao Instituto do Consumidor.

O IC é o organismo que recepciona e investiga as denúncias efectuadas por particulares, sendo também a este organismo que a CIDM, no âmbito das suas atribuições e competências envia, depois de devidamente analisadas, as denúncias que chegam ao seu conhecimento e que tal como a que nos transmitiu pareçam configurar situações em que é posta em causa a dignidade da mulher e a igualdade entre homens e mulheres.

3.Pelo referido, e dado que já transmitiu o seu protesto ao Instituto do Consumidor, aconselho-a a aguardar o resultado da investigação que vai ser efectuada, a qual terá sido desencadeada pela sua denúncia.

No entanto, e se assim o entender poderá fazer-nos chegar a documentação referente à citada promoção de produtos de limpeza, será a mesma analisada, e, de acordo com as atribuições e competências desta Comissão, consagradas no Decreto-Lei 166/91, de 9 de Maio, terá o encaminhamento adequado.

Com os melhores cumprimentos,
Resta-me agora esperar pela tão ansiada resposta do Instituto do Consumidor, que segundo me avisaram por telefone, não será para breve pelo acumulado de trabalho que têm.
PS: Tendo sido a Vileda a empresa responsável pela campanha, reenviei-lhes agora o protesto inicial, em edição revista e aumentada, e também fiz uma reclamação ao ICAP (Instituto Civil de Auto-Disciplina de Publicidade). Mais vale a mais que a menos!

4 comentários:

Anónimo disse...

"Daí o vector da comunicação ser a compra e não a utilização"...

Adorei, adorei, adorei...

eu, quando compro é apenas por comprar, utilizar ? mas que conceito tão bizarro !!!

viva o neo-liberalismo, viva o que está a dar, viva a universidade católica e a nova e os seus cursos de economia e gestão, vivam os gestores de produto, vivam os administradores, viva toda essa trampa que morreu aos 30 e foi a enterrar aos 70.

8 e coisa 9 e tal disse...

é lindo não é? também achei. Ainda bem que eles são acríticos e objectivos..

E viva a estatística e o neoliberalismo que cheira mal da boca. PIM

Anónimo disse...

Desculpem, desculpem, mas aqui há um problema muito maior, a manutenção dos preconceitos de género... O que é grave!E mais grave é pensar que provavelmente por trás desta campanha estarão jovens com formação em marketing, gestão, economia, o que for, homens, que acham normal, e mulheres, que acham mais normal ainda! Isto sim é grave, porque me parece que o resto da resposta não passa de uma desculpa mal amarfanhada dada por alguém que se apanhou desprevenido face a uma reclamção que infelizmente ainda é tão incomum por estas bandas!...

8 e coisa 9 e tal disse...

Claro ruiva, isso foi a razão principal deste protesto, pois ao fazerem-se campanhas deste tipo promovem-se, reproduzem-se e legitimam-se desigualdades que não favorecem nem homens nem mulheres, mas que principalmente continuam a aceitar como "normal" que o trabalho doméstico seja realizado essencialmente pelas mulheres.

Ainda há muito pedra para partir para que se perceba que não se pode ser acritico nem objectivo, e que este tipo de campanhas de facto não contribui à igualdade entre homens e mulheres, ao contrário, promove a desigualdade e contribui para que as mulheres continuem a assumir praticamente sozinhas a chamada jornada redonda(acumulação do trabalho productivo e reproductivo)

Mas enfim, eles distinguem entre a compra e a utilização... Mesmo assim, acredito que para a próxima vez se calhar pensarão duas vezes antes de promoverem outro tipo de campanha como esta. E se não pensarem cá estaremos outra vez a enviar protestos, que isto a malta habitua-se e até lhe toma o gosto ;)