Já não ia lá há muito tempo. As mesmas sombras esguias, os mesmos espelhos com reflexos distorcidos, os mesmos esgotos a céu aberto. O mesmo cheiro a suor podre. Chegaram-me notícias de uma amiga da M. que estava perdida, sem culpa, lá no meio do inferno. A meio do caminho ainda pensei em salvar todos. Incendiar tudo aquilo, deixar um mar de chamas lavar as chagas. “Eu dou-vos o inferno e é já! Morram todos, seus filhos da puta!!” Ia acender o fósforo, chegá-lo à palha, quando uns olhos pretos olharam para mim, cá para dentro. Era um dos filhos dessa rua. Pequenino. Muito pequenino, ainda. Tinha vindo com a mãe à procura do pai. Ou melhor, a mãe tinha-o levado enquanto ia procurar o pai. Se chegasse à palha, ele não tinha como sair dali, ficava preso, ia arder juntamente com o choldra, o chulo e o xuto.
“Quantos se escondem naquele recanto à minha frente, naquela esquina à direita sem saída e na carrinha familiar último modelo lá ao fundo? Se não forem muitos posso pegar-lhes ao colo e correr.” A mãe agarrou-o primeiro. Estava perdida. Era a amiga de M e era a ela que tinha de tirar dali. “Que se lixe! Por cada um que sai há mais cem a entrar naquela rua de saída esconsa. Não há fogo nenhum que os liberte antes. Que se consumam a si próprios até quererem”. Mãe e filho desceram a rua. Quantas vezes mais irão voltar?
3 comentários:
Esta noite também estive num sítio que ardia. Se calhar quase te abracei durante a noite.
gostei bastante da coisa de «a minha vizinha». Consegui visualiza-la, sobretudo a dactilografar na tal máquina. Simpatizei logo com essa vizinha. Pareceu-me ser uma espécie de namorada de charles bukowski
ao ler-te vivi um bocado do teu sonho. e sabes, vale tanto a pena, nem que entrassem 1000 por cada que sai!!
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