Vivo num excelente bairro no centro de Lisboa, com metro à porta e dezenas de lojas de comércio tradicional, supermercados e praça. Vejo as senhoras que aqui vivem a fazerem as compras com carrinhos de rodinhas, como a minha avó sempre fez, e tenho andado a pensar em comprar um também - seria mais uma libertação do automóvel, fazer as compras a pé sem ter de carregar com o peso nas mãos. Das vezes em que o fiz ia-me encolhendo pelo caminho, a passos cada vez mais lentos, com vergões encarnados nos dedos levando-os à beira da necrose.
Esta manhã decidi que ia ser diferente. Quero um carrinho.
Passei por uma das lojas do bairro e escolhi um castanho, não muito grande mas decididamente económico, além do mais com as três rodinhas em vez de duas, que me disseram facilitar a subida das escadas (como tenho três andares a pé para chegar a casa achei conveniente).
Pavoneei-me orgulhosa com a minha nova aquisição até ao supermercado, olhando para as senhoras que também o tinham com uma sensação de pertença de quarteirão.
Ao chegar ao supermercado vi o que faziam as outras senhoras: deixa-se o nosso à porta e tira-se um dos deles. Fui imbuída do espírito "o mundo e tudo o que ele contém são meus!", o que se traduziu pelo enchimento compulsivo de tudo e mais alguma coisa para dentro do carro de metal. Paguei as compras e tratei de pôr os pertences na minha nova coqueluche de forma ordenada - as coisas mais pesadas e sólidas em baixo, para darem sustento e forma às que vinham por cima. Como é obvio, não me coube tudo lá dentro; saí do supermercado com o contentor cheio que nem um ovo e mais 4 sacos na mão. Mas orgulhosa.
Uma senhora cruzou-se comigo e começou a dizer "ó dona, ó dona". Não é comigo seguramente, nunca ninguém me tratou assim. Só quando me deu os dois pacotes de folhas de gelatina que eu tinha deixado cair é que percebi que com o carrinho adquiri também o estatuto.
O caminho para casa foi penoso, as compras pareciam pesar mais a cada passo. Troquei algumas vezes os sacos de uma mão para a outra, o peso do carrinho ia aumentando pela estrada fora. Cheguei a casa e quando comecei a subir as escadas não conseguia parar de rir. É que as compras pesam o mesmo, dentro ou fora do carrinho, e a subida até ao terceiro andar revelou-se tarefa hercúlea.
Até para fazer compras de bairro é preciso cabeça.
7 comentários:
querida múltipla,
vou-te dar um conselho de amiga:
há uma data de hipermercados que dispõem de lojas online e, como tal, entregam as compras no domícilio.
Assim, reduzes o teu capaz de compras ao pão e às verduras (mas até isso podes comprar online).
Deita já esse carrinho fora ou oferece a um vizinha velhinha.
Quem é amiga quem é? ;)
cara múltipla,
Não gosto de lojas online. Gosto de ir e ver, tocar e escolher. Tal como com livros, não dá tanto gozo comprar na internet.
Muitas vezes mando entregar a casa, eles que alanquem com as garrafas e os pesos pelos andares acima, mas gosto também desta relação mais pessoal com as compras.
Oferecer o meu carrinho novinho em folha?? nem pensar!!
oops, onde se lê capaz, leia-se cabaz.
'tá bem, não deites fora o carrinho. mas olha q fazias a felicidade de uma velhinha...
p.s. par contre, a mim dá-me um gozo IMENSO comprar pela internet. multiplicidades...
A minha avó tinha um carrinho com um padräo em xadrez (tons de encarnado)com duas rodas e um apoio...sempre achei aquela forma de transporte um pouco bizarra, até que certo dia farto de transportar o portátil em peso pelos aeroportos fora me rendi a uma mala com "rodinhas". Nesse dia cheguei à conclusäo que já me encontrava na curva descendente e näo havia volta a dar...
fartei-me de rir a imaginar-te a alancar com todas as compras pelos 3 lances de escadas!!! Eu também comprei um carrinho desses assim que cheguei a esse bairro e bem jeito me deu, mas só para ir à praça e refreando-me no impulso consumista..
E se inventasses um sistema de alavancas que te permitisse subir as compras sem tanto esforço?
Olha, acho que somos quasi-vizinhos...
Um "ManyFaces" e uma trintona com personalidade múltipla devem ter dificuldade em reconhecer-se. E se acontecer podemos sempre dizer que "é o outro, é o outro,..."
Dica: não uso bigode nem sou simpático.
pois é quem sabe se seremos vizinhos... Qualquer dia ainda nos cruzamos no café da esquina em frente à farmácia. Nós também não temos bigode (quase sempre) e se nos apanha antes do café da manhã também lhe posso garantir que não somos simpáticas...
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