Pouso o cachecol e as luvas em cima do balcão e peço as chaves do quarto.
- Boa noite, Sr. Fernando, que frio que está lá fora.
- Pois está. Sabe, o frio do Alentejo é muito diferente do da minha terra, é um frio fininho, por mais que nos aqueçamos entra-nos pelos ossos dentro.
O Sr. Fernando é dono de uma hospedaria no Alentejo. Oriundo de Seia, trocou a Beira pelo Alentejo e aí vive há muitos anos. O forte sotaque denuncia a sua origem, todos os ‘s’ são trocados por ‘x’. Continuamos a conversar sobre o tempo.
- Eu morava em frente ao mar, aquilo também não é fácil no Inverno por causa da humidade. Na minha rua, os carros estacionavam ao contrário para prevenir a corrosão da chapa. O termómetro não desce tão baixo, mesmo assim digo-lhe que há dias ou noites que também não são fáceis por aquelas bandas…
Despeço-me de boa noite. O dia foi longo e preciso de descansar. Subo as escadas, meto a chave na porta, rodo a maçaneta, entro no quarto, fecho a porta, pouso as chaves na mesa de cabeceira. Procuro imediatamente o comando do aquecimento e ponho no on. Vvvvvvvvvvvvvvvvv, faz a máquina, soprando um jacto de calor no quarto. Preparo a cama, tiro o cobertor de dentro do armário e as duas almofadas. Deito-me na cama ainda a tremer, depois de trocada a roupa. Acendo a televisão, faço um zapping pelos 4 insólitos canais portugueses, telenovelas e outra coisa qualquer, a tristeza de sempre, vou mas é dormir antes que deprima. Desligo a luz.
5 minutos depois - a porcaria do barulho do aquecedor e o corpo que não aquece, as almofadas são altas demais, tenho sede. Acendo a luz, desligo o aquecedor e bebo água por uma garrafa. Silêncio finalmente.
20 minutos depois – Porra, que não há maneira de aquecer. E por mais mossas que faça na almofada, esta não cede ao meu peso e intenção. Levanto-me, vou à casa-de-banho, saco as toalhas e decido que estas farão a vez da almofada. Ponho a fronha por cima para não sentir a textura do tecido.
50 minutos depois – Continuo a tremer de frio e a almofada substituta é dura. Puxo o cobertor para cima e coloco-o à altura da cabeça. Menos mal. No silêncio, distingo uma voz no quarto ao lado, provavelmente falando ao telefone. Não estou interessada na conversa mas percebo a palavra ‘5ª feira’. Ponho os dedos nos ouvidos, era o que mais me faltava prestar atenção a uma conversa que não é minha. Não sei como, finalmente adormeço.
3 horas depois – Acordo cheia de frio. Será o tal frio fininho de que falava o dono da hospedaria? E agora o que faço? Se puxo o cobertor que funciona de almofada não durmo por causa da almofada improvisada. Se acender o aquecimento não adormeço por causa do barulho. Vou fumar um cigarro enquanto decido, já acordei à mesma. Apanho o maço e o isqueiro e vou para casa-de-banho, ligo o extractor de fumo. Sento-me na retrete e penso. Penso que isto tudo é um disparate e que já devia estar a dormir há horas. Porque raio não adormeço? Não bastam as 3 horas mal dormidas no dia anterior? Não basta o que vi e ouvi hoje? Volto para a cama. Saco do meu último recurso. Deito-me de barriga para cima e aguardo o suave embalo do hipnótico: a cabeça teima em girar e girar e girar. 3 horas, depois volto a adormecer.
8:00 – toca o despertador. Desligo. Volta a tocar. Desligo. Volta a tocar. Desligo. Acordo em sobressalto, levanto-me de um pulo, tomo banho, arrumo tudo, saio do quarto e volto para o balcão onde me encostei na noite anterior. Aparece o Sr. Fernando.
- Dormiu bem?
- Bem… Sim, obrigada. Já tomei o pequeno almoço, mas tirava-me mais um café? É que demoro o meu tempo a acordar…
- E o quarto? Estava quente?
- Eeeeh... Sim. Por falar nisso, não tem por aí uns cobertores que já não lhe sirvam? É para as pessoas que vivem naqueles acampamentos de que lhe falei ontem.
- Acho que se arranja qualquer coisa.
- Obrigada.
Vou-me embora ainda a tremer. Não há cobertor ou calorífero que me valha. Estaciono o carro e vejo a Srª Maria Emília, que vem na minha direcção. Tiramos os resguardos do porta-bagagem. Sinto o cheiro das fogueiras ainda acesas desde a noite anterior. O sol espreita e amorna a planície alentejana. Dão-me um punhado de pevides e sento-me à soleira de uma porta. Os raios do sol batem-me no rosto e aqueço, finalmente.
- Boa noite, Sr. Fernando, que frio que está lá fora.
- Pois está. Sabe, o frio do Alentejo é muito diferente do da minha terra, é um frio fininho, por mais que nos aqueçamos entra-nos pelos ossos dentro.
O Sr. Fernando é dono de uma hospedaria no Alentejo. Oriundo de Seia, trocou a Beira pelo Alentejo e aí vive há muitos anos. O forte sotaque denuncia a sua origem, todos os ‘s’ são trocados por ‘x’. Continuamos a conversar sobre o tempo.
- Eu morava em frente ao mar, aquilo também não é fácil no Inverno por causa da humidade. Na minha rua, os carros estacionavam ao contrário para prevenir a corrosão da chapa. O termómetro não desce tão baixo, mesmo assim digo-lhe que há dias ou noites que também não são fáceis por aquelas bandas…
Despeço-me de boa noite. O dia foi longo e preciso de descansar. Subo as escadas, meto a chave na porta, rodo a maçaneta, entro no quarto, fecho a porta, pouso as chaves na mesa de cabeceira. Procuro imediatamente o comando do aquecimento e ponho no on. Vvvvvvvvvvvvvvvvv, faz a máquina, soprando um jacto de calor no quarto. Preparo a cama, tiro o cobertor de dentro do armário e as duas almofadas. Deito-me na cama ainda a tremer, depois de trocada a roupa. Acendo a televisão, faço um zapping pelos 4 insólitos canais portugueses, telenovelas e outra coisa qualquer, a tristeza de sempre, vou mas é dormir antes que deprima. Desligo a luz.
5 minutos depois - a porcaria do barulho do aquecedor e o corpo que não aquece, as almofadas são altas demais, tenho sede. Acendo a luz, desligo o aquecedor e bebo água por uma garrafa. Silêncio finalmente.
20 minutos depois – Porra, que não há maneira de aquecer. E por mais mossas que faça na almofada, esta não cede ao meu peso e intenção. Levanto-me, vou à casa-de-banho, saco as toalhas e decido que estas farão a vez da almofada. Ponho a fronha por cima para não sentir a textura do tecido.
50 minutos depois – Continuo a tremer de frio e a almofada substituta é dura. Puxo o cobertor para cima e coloco-o à altura da cabeça. Menos mal. No silêncio, distingo uma voz no quarto ao lado, provavelmente falando ao telefone. Não estou interessada na conversa mas percebo a palavra ‘5ª feira’. Ponho os dedos nos ouvidos, era o que mais me faltava prestar atenção a uma conversa que não é minha. Não sei como, finalmente adormeço.
3 horas depois – Acordo cheia de frio. Será o tal frio fininho de que falava o dono da hospedaria? E agora o que faço? Se puxo o cobertor que funciona de almofada não durmo por causa da almofada improvisada. Se acender o aquecimento não adormeço por causa do barulho. Vou fumar um cigarro enquanto decido, já acordei à mesma. Apanho o maço e o isqueiro e vou para casa-de-banho, ligo o extractor de fumo. Sento-me na retrete e penso. Penso que isto tudo é um disparate e que já devia estar a dormir há horas. Porque raio não adormeço? Não bastam as 3 horas mal dormidas no dia anterior? Não basta o que vi e ouvi hoje? Volto para a cama. Saco do meu último recurso. Deito-me de barriga para cima e aguardo o suave embalo do hipnótico: a cabeça teima em girar e girar e girar. 3 horas, depois volto a adormecer.
8:00 – toca o despertador. Desligo. Volta a tocar. Desligo. Volta a tocar. Desligo. Acordo em sobressalto, levanto-me de um pulo, tomo banho, arrumo tudo, saio do quarto e volto para o balcão onde me encostei na noite anterior. Aparece o Sr. Fernando.
- Dormiu bem?
- Bem… Sim, obrigada. Já tomei o pequeno almoço, mas tirava-me mais um café? É que demoro o meu tempo a acordar…
- E o quarto? Estava quente?
- Eeeeh... Sim. Por falar nisso, não tem por aí uns cobertores que já não lhe sirvam? É para as pessoas que vivem naqueles acampamentos de que lhe falei ontem.
- Acho que se arranja qualquer coisa.
- Obrigada.
Vou-me embora ainda a tremer. Não há cobertor ou calorífero que me valha. Estaciono o carro e vejo a Srª Maria Emília, que vem na minha direcção. Tiramos os resguardos do porta-bagagem. Sinto o cheiro das fogueiras ainda acesas desde a noite anterior. O sol espreita e amorna a planície alentejana. Dão-me um punhado de pevides e sento-me à soleira de uma porta. Os raios do sol batem-me no rosto e aqueço, finalmente.
6 comentários:
aposto que tiveste vontade de pedir uma xalada para acompanhar o almoço.
por acaso comi uma xalada de frutas no dia antes para desmoer a axorda de alho, mas ao almoço comi um belo de um enxopado de borrego.
muito bom este texto.
venham mais destas insónias!
chiça, que me deu cá um frioooo
alejia? alejia? nunca ouvi falar em alejia!!
olha amiga, se encontrar uma termotebe como deve ser fica já como presente de natal... o pior é que não sei se fazem para almas...
na mouche, querida múltipla. o frio era mesmo na alma. fica a intenção.
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