09 março 2007

O dia em que eu matei um frigorífico em Granada (parte I)



Naquele dia resolvi dizer para mim mesma: Basta! Há meses e meses que não me pagavam a renda. Ora, uma pessoa não vive do ar, convenhamos, sobretudo se está fora do seu país, longe do seu entourage, sem outros recursos, sem nada.

A decisão estava tomada, nada de hesitações e de voltar atrás: empunhei uma faca de gume bem afiado (daquelas que brilham na ponta, como nos desenhos animados) e dirigi-me ao local onde teria de executar, sem dó nem piedade, o desalojamento de várias criaturas.

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É Junho e fazem mais de 40º lá fora, à sombra. Moro em Granada (Andaluzia, sul de Espanha), num bairro periférico chamado 'Zaidin'. Maldita a hora em que me precipitei no aluguer desta casa. Devia ter sido mais perseverante e escrupulosa na procura do cubiculum vitae: por exemplo, podia ter insistido nos bairros de 'Albaicín' ou 'Sacromonte' (oh, so fashion & typical!). Mas não: o dinheiro falou mais alto. 35 mil 'pelas' por mês e tens aí um T3 todo mobilado (é melhor passar à frente a descrição da mobília, duvido que as alminhas mais sensíveis resistissem ao que para ali ia). Ok, vejamos o lado positivo: neste bairro, as 'tapas' são extra-large, a acompanhar as cañas. Mas creio que é tudo. Caraças, pode uma dose de boquerones bem servida servir de desempate ou escolha quanto a um bairro? Naaaaa... Erros meus, má fortuna, etc.

Adiante. Amanhã tenho que preparar um jantar português (porque insistem em pedir-me estas coisas? Eu, que nem cozinho assim tão bem...) e para tal tive que me ir abastecer de víveres e outros que tais. O problema é SÓ este: esta malta bebe cum'ó camandro e eu preciso de espaço livre no congelador, sobretudo para gelo. Mas espaço é coisa que não há. Não há espaço livre por uma razão muito simples: desde que fui morar para o Zaidin, o frigorífico e respectivo congelador albergam toda uma família de esquimós e toda uma colónia de pinguins. Se abrir a porta do congelador e olhar bem lá para dentro, lá os vejo, todos contentes, nas suas tarefas mundanas: a pescar peixe, a tomar os seus banhos... Observo os mergulhos, reparo nas fogueiras onde assam o peixe... Assim não pode ser! Afinal quem é que manda aqui? Já falei a bem, já falei a mal, fiz ultimatums vários: Nada... E as rendas que me devem? Pois é! Olha, é hoje! Mostra-lhes lá que és descendente daquele lusitano maldiposto - o Viriato - e que tens séculos e séculos de resistência a Castela. Sim, mostra-lhes que és uma portuguesa!

De faca em riste, dirijo-me ao refrigerador e começo a apunhalar a parte superior, dando início à árdua tarefa de desincrustrar as camadas neolíticas de gelo. Pumba, pumba, pumba, até que... pfffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffff...

[Pffffffffffffffff (penso - e ouço- eu)? Ó c'um caraças, queres ver que isto deu barraca? O que aconteceu? SERÁ QUE MATEI O FRIGORÍFICO?! Ah pois quer-me parecer que sim! Só ouço pffffffffffffs por todos os lados... Ai, ai, ai, e agora? Ponho o ouvido perto do buraco e descubro a malfadada origem do pfffffffff. Coloco o dedo indicador no sítio por onde se escapa o fréon e o ruído cessa. E agora, camandro? Não posso continuar assim e aqui, o dedo congela e depois? Já sei, vou comprar uma cena de silicone ali a uma loja que conheço a ver se serve de remendo. Saio de casa e abasteço-me do dito. Coloco uma porção generosa de silicone no identificado buraco. Estou quase a suspirar de alívio (já para não falar em transpirar), quando começo a ouvir: pfffffffffffffffffffffffffffffffff... Novamente...
[continua]

Questão: o que acham os leitores que aconteceu?

6 comentários:

Anónimo disse...

"fiz ultimatums vários"... vários ? ultimatums só se fazem uma vez (a última).

"resistência a Castela" ? e que tem Castela a ver com a Andaluzia ?

pour le huit et chose... dix points
for eight and stuff...ten points

sem-se-ver disse...

ai imagino mas por favor conte conte!
se adorei a horda de pinguins e esquimós a habitar o congelador, 'cubiculum vitae' é definitivamente genial! adequa-se-me que nem uma luva e vou apropriar-me dessa sua expressão, garanto-lhe (diga-me lá quanto são os direitos de autor, mas seja meiguinha para com quem só pode ter um cubiculum vitae para residir...)

sete e pico disse...

deve ter-te acontecido o mesmo que a mim, apesar de sempre ter ouvido que não se pode tirar o gelo com facas, parece-me sempre o objecto mais adequado, e lá vai disto, mas às vezes escapapa a força e lá estão as ranhuras da faca a comprovar. Ainda não ouvi foi nenhum pfff, tenho que estar atenta, e já agora vou lá por um aviso, não vá algum esquimó ou pinguim tropeçar por ali.

o chofer a dançar com a criada disse...

o ice age 3?...bela posta de gelo esta!!! :D, fartei-me de rir.
e já agora, as esquimós e as pinguins de espanha tb usam maquilhagem e adornos em excesso ou não aderem à cultura local?

8 e coisa 9 e tal disse...

ora bem, senão vejamos:

eurovisão, ena! 10 points, nada mau! quer dizer q só havia mais um concorrente à minha frente! em relação à sua correcção, semanticamente está bem visto: na vida real é q não ('olha, vou-te dar só mais este ultimatum...', 'tá a ver?). era este o caso.
castela e andalúcía o q têm a ver? Hombre! Pues, todo!

sem-se-ver, aproprie-se da expressão à vontade q não lhe cobro direitos de autor. é boa, de facto.

mútliplas sete e o chofer, :)))
a tabuleta de interdição está muito bem vista, como é q não me lembrei disso?! e, sim, os esquimós e pinguins adaptaram-se muito bem à cultura local: os primeiros carregados de uma espessa camada de base; os segundos a tresandar a água de colónia 'heno de pravia'. e todos de castanholas, olé! (todos a ouvirem 'camarón de la isla', nunai nunai nunai!!!)

pirata rojo, a cena de silicone era o próprio de um tubo de silicone, mas no heat of the moment saíu-me assim. apunhalar o frigidaire andaluz sem apelo nem agravo é q já não sei. a próxima parte deslindará parte desse mistério.

na prise és bestial disse...

explodiu?