13 maio 2008

Regresso ao lado de cá

Finalmente cheguei, horas e horas passadas à ponta de filmes pois não tinha ponta de sono, apesar de não ter dormido. Encontro de novo o aeroporto, o controlo de malas ao qual sempre me escapei, graças a uma sorte que me acompanhava no momento de passar as malas carregadas de bacalhau, paios, chouriços, queijos e ovos moles. Depois dos abraços dos amigos, o táxi e o seu controlo para evitar sequestros aos recém chegados, o trânsito intenso, caótico, a poluição que entra asperamente nas fossas nasais, os milhares de autocarros que cruzam ágeis e descontroladamente as ruas da cidade e as montanhas, as belas montanhas que sempre se deixam ver quando nos movemos pela cidade. No norte da cidade as montanhas são pouco povoadas e muito verdes, pujantes, viçosas. No sul, a parte pobre da cidade (até aqui se reproduzem as desigualdades norte-sul), concentram-se os bairros que recebem os milhares e milhares de pessoas que escapam à guerra que assola o campo e as cidades mais pequenas, na sua grande maioria deslocados internos.
Nesses bairros do sul, as montanhas são desertos povoados de imensas construções precárias, feitas com desperdícios, muitas sem água potável nem luz, e com muito, muito mesmo, controlo dos grupos ilegais urbanos, em geral, paramilitares. Nesses bairros, as raparigas são levadas pela noite para se prostituirem e os rapazes são recrutados para vender droga. Contraditoriamente, estes grupos matam quem for apanhado a consumir droga, isso é para o norte da cidade , o sul não, no sul só se vende. Nesses bairros os grupos ensinam os jovens, em particular os rapazes, para aprenderem a mexer em armas, a matar, a desvalorizar continuamente a vida humana e para sentir o sabor do dinheiro fácil e de uma masculinidade construida através da violência. Nestes bairros é perigoso para uma mulher viver sozinha, pois muito mais facilmente podem entrar os senhores dos paramilitares a violarem-na ou a recrutá-la para prostituição sem direito a negação ou a objecção de consciência, e a violência sobre as mulheres continua a ser assumida como um direito dos varões. Nestes bairros, as crianças andam com as chaves de casa penduradas ao peito pois os pais, mães, tios, tias, qualquer que já tenha um mínimo de força vão trabalhar de manhã à noite para sustentar o centro ou norte da cidade, e as crianças acostumam-se a ficar sozinhas e cuidarem-se entre si. São tremendamente áridas estas montanhas de Ciudad Bolivar e Altos de Cazucá, mas é nessa aridez que muitas organizações sociais vão abrindo caminho através dos seus projectos sociais que pretendem apoiar as pessoas que aí vivem para que tenham outros modelos de convivência e de vida cidadã. Montam projectos culturais, projectos productivos com homens e mulheres, apoiam as crianças através da ocupação dos tempos livres e de apoio escolar, do desenvolvimento de espaços lúdicos e criativos, de teatro, de outras formas de viver a vida de uma forma diferente da violência, do maltratato do desrespeito pela vida e pela pessoa. Coloream com este trabalho duro as montanhas do sul.
Estou de novo em Bogotá com todas as minhas ambivalências alborotadas pelos contrastes deste país. Já cheguei mas ainda não aterrizei em mim.

1 comentário:

nove e tal disse...

querida sete,

já tinha saudades tuas. e finalmente notícias!

e tb desse teu português tão engraçado, misturado com o castelhano e no qual não ouso mexer.

continua a mandar notícias. estamos deste lado do oceano, vigilantes, atentas.

um beijo e dias muito felizes.