24 julho 2008

De 15 em 15 dias

foto encontrada, nem a propósito, aqui

Por vezes penso se estarei a ser preconceituosa quando não consigo abandonar a ideia de que um fim de semana com o pai de 15 em 15 dias é maneira de criar pais, ou imagens de pais, demasiado idealizados. Mas não me larga a sensação de que estes pais tentam criar magia durante 4 dias dos 30 dias de um mês, e, por algumas razões que não discuto, não vivem nem se relacionam nas outras formas que implicam o crescer e acompanhar cada dia dos filhos e filhas, no meio das birras para o banho, para a comida, dos cansaços, das negociações dos tempos para a televisão e do deitar, do rituais, dos pontos de fuga, das conversas e das brincadeiras, cada dia em sucessiva rotação, em sucessiva negociação, cada dia carregado de realidade e de continuidade, e com esforço inventando momentos de magia que escapem à norma e as limitações que exigem o dia a dia das crianças. São pais idealizados em contraste com as mães da vida real de cada dia, cada 26 dias por mês. São pais que têm tempo para si próprios, para sair, para estudar, para ler, para não fazer nada em contraste com as mães que têm 4 dias por mês para poder dedicar tempo a si mesmas.

Não duvido em nenhum momento que amem os seus filhos e filhas. Não duvido que sofram por não estarem com eles. Sei também que muitas mulheres e inclusive o poder jurídico, continuam a achar que as crianças são das mães e que é com elas que devem ficar em caso de divórcio. Só estranho que não lutem pelos seus filhos e filhas, que não reivindiquem o seu direito ao quotidiano, às pequenas coisas boas e más de todos os dias. Lembro-me de há uns tempos atrás ter lido no jornal que dois pais ingleses se mascararam de Batman e Robin e penduraram-se no Big Ben para chamar a atenção do seu direito a ter guarda conjunta, que lhes tinha sido negado pelos tribunais de família ingleses. Não digo que os pais portugueses se tenham de mascarar de Zés do Telhado e pendurarem-se na Sé ou na Torre dos Clérigos, apenas sei que as leis e as mentalidades não se mudam porque sim, ou por inspiração divina, mas sim pelas lutas da vida quotidiana. E, se as mulheres têm vindo a fazer um longo caminho para que sejam reconhecidos os seus direitos, inventando-se e reivindicando-se, aos homens ainda lhes falta outro tanto por percorrer, para que possam de facto apropriar-se do espaço familiar, doméstico e emotivo de que tiveram tradicionalmente afastados.

E esta não pode ser uma luta por procuração, é uma luta com H, é uma luta dos homens. E nós aplaudimos e apoiamos.


Ps: Parte deste post já estava escrito há muito tempo, mas hoje com a leitura deste outro, resolvi por fim terminá-lo. E sei que o JPN, um dos pais mais queridos que eu conheço, compreende e concorda.

13 comentários:

Anónimo disse...

Até há quem faça essa batalha, há pelo menos uma associação; mas são tão poucos que deve ser muito, muito difícil. Suponho que a coisa ainda está na tal fase em que nem os próprios nem mais ninguém acreditam que o estado de coisas possa ser alterado. Mas ando há anos a dizer aos homens que me rodeiam que acho estranho - e perigoso - que não se mexam um bocadinho para combater algumas áreas de discriminação mais óbvias. Ainda dentro da paternidade, mas pelo avesso: já reparaste que, no discurso de mainstream, toda a gente acha legítimo que uma mulher possa não querer ser mãe, mas os homens são uns monstros de egoísmo, e legalmente perseguidos, se se recusarem a perfilhar uma criança, mesmo que esta tenha sido concebida sem conhecimento nem vontade dele? Ou mesmo contra a sua vontade expressa? Eu lamento se isto é contra-corrente, ou politicamente incorrecto, mas não me parece realmente justo.

Anónimo disse...

...esta questão interessa-me tanto mais quanto, tal como no caso das mulheres, não acredito que pais forçados possam ser bons pais, pelo menos em geral. Acho que as crianças tem direito a ser filhas de quem as queira, ponto. E também é destas coisas que se faz o tal ambiente cultural em que a paternidade é mais uma maçada que um direito e um privilégio. Os privilégios não costumam ser impostos por lei...

Clara disse...

Eu não acho estranho. Acho que a muitos pais lhes dá imenso jeito que as coisas fiquem exactamente como estão.

Anónimo disse...

E, convenhamos, muitas mães também estão muito agarradas ao papel de estrela da companhia.

8 e coisa 9 e tal disse...

Clara, há pais e também mães que querem que as coisas fiquem como estão e que o cuidado dos filhos continue a ser associado unicamente à mulher.E infelizmente muitas vezes as decisões dos tibunais corroboram este estereotipo. Mas independente disso, o que eu queria mesmo salientar no post, e como disse, a FIA, é que os homens, ou muitos homens, parece que ainda não perceberam que também foram discriminados ao longo do tempo pelo facto de ser homens, e que se não se organizarem e reivindicarem os seus direitos ninguém o vai fazer por eles. Há alguns que já se organizam em asociações como aquela do link que está por baixo da fotografia, mas precisam de ser muitos mais e precisam de de facto acreditar que isso é possivel. Talvez se conhecessem um bocadinho da história dos movimentos feministas se inspirassem e acreditassem que de facto é possivel mudar as coisas, apesar de não fácil nem imediato.

Quanto ao primeiro exemplo que deste, FIA, caramba, foste logo escolher um exemplo difícil de comentar.. Por um lado concordo que nenhuma pessoa, homem ou mulher, deveria ter filhos se não o deseja, por isso lutámos pela legalização do aborto. Por outro lado, uma vez que uma criança vem ao mundo, ainda que seja contra a vontade do pai, defendo o direito da criança a ter pai e mãe. Ainda que vá contra o interesse ou desejo do pai, o interesse da criança é superior. É verdade que aqui a situação é biologicamente "injusta", pois é a mulher quem decide se quer ou não quer ter a criança.

Isto leva-me a outra questão, os direitos sexuais e reproductivos. Parece-me que ainda predomina a ideia de que a planificação da concepção é uma coisa da mulher, e que as campanhas devem ser dirigidas às mulheres. Fala-se de gravidez na adolescência e parece que só as raparigas é que podem engravidar. Fico sempre com a dúvida sobre quem serão os pais que engravidaram as jovens adolescentes, serão adultos, serão jovens? O que passa com os rapazes adolescentes quando são pais? Que oportunidades perdem, como assumem a paternidade? Pode ser desconhecimento meu, mas são rarissimas as vezes que vejo estudos de DSR que incluem este aspecto (mais um dos temas das masculinidades). Parece que ainda não se considera que os homens podem e devem controlar o seu corpo e a sua sexualidade e ser responsáveis sobre isso (com a ressalva que um acidente acontece a qualquer um ou qualquer uma).
Enfim, não acho politicamente incorrecta a tua posição, mas consigo ter uma opinião mais clara sobre isso.

Anónimo disse...

Eu não acho que seja simples; mas quer se queira quer não, quem engravida são, de facto, as mulheres; e, com excepção do preservativo, os homens não controlam os contraceptivos, portanto há a possibilidade de serem confrontados com gravidezes que não pediram. Conheço casos concretos de homens a quem foi dito que estavam a ser tomadas medidas contraceptivas sendo mentira. Acho difícil defender que as pessoas devam ser obrigadas a assumir paternidades em casos desses. Bom, e como te dizia, pessoalmente (sublinhar pessoalmente) horroriza-me a ideia de pais contrariados - pelo interesse da criança. Nunca quereria um pai que não o quisesse ser para um filho meu.
Em suma, não tenho nenhuma opinião definitiva sobre o que devia dizer a lei, mas tenho sérias dúvidas, logo acho importante discutir-se o assunto. Estou um bocadinho farta dos complexos supostamente feministas a este respeito. Feminista (para mim) é assumir que as pessoas devem ter todas, homens e mulheres, alguma liberdade reprodutiva; e que não é drama uma criança crescer só com mãe, só com pai, ou com 3 pais, 5 mães e um hipopótamo, porque não é um objectivo por si perpetuar a família tradicional. Gostava de discutir o assunto a partir daqui.

(as minhas desculpas pelos comentários longos e desorganizados, mas isto ainda é tudo mais feito de dúvidas que outra coisa)

8 e coisa 9 e tal disse...

por quem sois FIA, e quem telhados de vidro não manda pedras à vizinha. Cheira-me que isto continuará a dar assuntos para vários posts..

zamot disse...

Orgulho-me dos meus dois em dois dias! Dois de pai, dois de 15 horas a trabalhar...
E a semana dividida em três de maneira a que calhe sempre fds sim fds não.
Pronto, estou esposto!

Mónica (em Campanhã) disse...

Oito e coisa, isso que descreves, é cenário também de pais que estão juntos: eles a ficarem com as brincadeiras e a magia, elas com os ralhetes e lavar os dentes e a rotina. tem sido a nossa educação e transform-ase na nossa cultura. mudar está nas mãos de todos.

8 e coisa 9 e tal disse...

sem dúvida mónica, mas este post era sobre os casos de divórcio em que essas diferenças se tornam ainda mais vísiveis, e como disse, ainda há mulheres que julgam que os filhos só lhes pertencem a elas e homens que, apesar de nao concordarem também nao lutam pelo seu direito a uma paternidade mais constante. isto para nao falar dos homens que acham muito bem que os filhos ficam com as maes porque eles nao têm tempo porque o trabalho nao lhes deixa.

D. Ester disse...

eu cada vez tenho menos certezas sobre este assunto, o que me parece uma coisa excelente sobre o que quer que seja.

Acho que uma análise caso a caso é mesmo o mais importante nas decisões que impliquem pessoas em geral e famílias em particular. Infelizmente os legisladores não estão de acordo comigo e acham que precisamos de regras gerais para eventualmente haver excepções.

Até há bem pouco tempo estava prestes a embarcar numa empreitada que me viraria a vida do avesso, para construir uma família menos que tradicional, mas que me parecia potencialmente harmoniosa.

Partindo do princípio que as pessoas que escolhem ter filhos o fazem pelo amor à criatura que há de vir, seja ela qual for; e de que estatisticamente os casais não ficam juntos até ao fim da vida, decidi eliminar a componente hipotalâmica da equação.

Pensei que se me juntasse com um homem que admiro pelas suas inúmeras qualidades para, além de continuarmos amigos, termos um filho juntos pelo prazer da reprodução e da construção de uma nova família nova seria uma aventura a que me quereria abalançar.

Durante cerca de um ano andámos a preparar a façanha, que veio eventualmente a ficar congelada por motivos de força maior.

Ainda hoje me parece uma ideia interessante, apesar de ter buracos que não consigo prever nem controlar. Mas nem com ele nem com nenhum outro putativo pai com que venha a empreender essa aventura.

Da próxima vez vou incorporar o hipopótamo na equação. Acho que lhe vai dar o toque de multiculturalidade que lhe faltava.

(as reacções das pessoas a quem comunicámos a nossa decisão eram muito engraçadas. variavam entre o entusiasmo completo à tentativa de internamento compulsivo numa casa de saúde. Quando eu, na realidade, apenas estava a fazer o que as primatas fazem na natureza, escolhem o macho com melhores caracteristicas genéticas para dar vantagem evolutiva às suas crias. depois o resto logo se via).

na prise és bestial disse...

Dona ester, vais incorporar o hipópotamo na equação? Bota família alternativa nisso...

Anónimo disse...

Achei interessante o post e comentários, por isso vou deixar tb a minha opinião.
Desde já digo que sou mãe de um filha sem pai, porque este se desinteressou depois do nascimento, embora a gravidez não tivesse sido premeditada.
Acho que deveria haver pÍlulas para homens. Só não há porque eles não querem. na opinião deles, ngravidar mulheres é uma prova de virilidade e a pílula é uma coisa efeminada. Eu odeio a pílula: aquilo põe-me as hormonas todas tontas, a mim própria toda tonta e triste, a chorar por tudo e por nada e gorda. Além de me deixar num estado de stress enorme porque nunca me lembro exactamente se a tomei ou não. De muito boa vontade passava estas sensações e responsabilidades aos homens. Assim a (ir)responsabilidade seria conjunta: se os dois tomassem não havia criancinhas, se os dois não tomassem havia. Nos outros casos, o que tomava não poderia ser responsabilizado (caso não quissesse) por uma "vida inteira" (a criança).
Mas, como tudo o que é muito simples, é muito complicado.