Esta série - a que dei o nome de the dirty boulevard - são histórias verdadeiras. Relatadas em vários fôlegos. Permiti-me recriá-las à minha maneira, mantendo o anonimato daqueles que a protagonizam. Pelos motivos óbvios. Hoje, é a A. que fala.
O pior momento do dia era o acordar, no meu caso de manhã, a verdadeira descida aos infernos. Antes de adormecer já sabia o que me esperava na manhã seguinte e, por isso, acho que dormi anos a fio com o pavor do que já sabia que ia sentir, mal acordasse: as dores no corpo, uma náusea e uma espécie de gripe sempiterna conviviam com o meu ecossistema logo pela manhã. Era assim o meu despertar: maldizia a vida, arrastava-me como podia até à casa-de-banho, onde tentava recompor-me, depois de ter engolido um analgésico opiáceo. Já controlava todas as farmácias do bairro que mos vendiam sem receita. Os choques térmicos com água às vezes ajudavam. Mas por pouco tempo.
Chegava ao trabalho e à medida que o tempo ia passando, começava numa contagem decrescente até aos minutos que faltavam para a hora de almoço. Saía a correr e apanhava um táxi. Não morava longe, mas o corpo já não aguentava mais. Não comia nada e voltava com a cabeça cheia e as dores apaziguadas. Estourava o meu ordenado em táxis e na castanha: dor (alívio da dor), prazer (já muito pouco), compulsão (muita), uma mistura explosiva. Os sentimentos de culpa? Claro que existiam, estavam sempre presentes, quando acordava. Depois do almoço, já tinham desaparecido, era como se tivesse renascido. E era então que começava nova contagem decrescente, até ao momento em que sairia do trabalho e, pelo meu próprio pé, me dirigia até ao dirty boulevard, a fim de por termo a mais uma dose de angústia física. Mas sobretudo a uma dose de angústia na alma. Sabendo, lá no fundo, que estava a destruir a minha vida. O mais difícil era ter todos estes sentimentos contraditórios convocados diariamente. Passei anos nisto. Acho que este foi o maior dos desgastes. Maior que o desgate físico.
O pior momento do dia era o acordar, no meu caso de manhã, a verdadeira descida aos infernos. Antes de adormecer já sabia o que me esperava na manhã seguinte e, por isso, acho que dormi anos a fio com o pavor do que já sabia que ia sentir, mal acordasse: as dores no corpo, uma náusea e uma espécie de gripe sempiterna conviviam com o meu ecossistema logo pela manhã. Era assim o meu despertar: maldizia a vida, arrastava-me como podia até à casa-de-banho, onde tentava recompor-me, depois de ter engolido um analgésico opiáceo. Já controlava todas as farmácias do bairro que mos vendiam sem receita. Os choques térmicos com água às vezes ajudavam. Mas por pouco tempo.
Chegava ao trabalho e à medida que o tempo ia passando, começava numa contagem decrescente até aos minutos que faltavam para a hora de almoço. Saía a correr e apanhava um táxi. Não morava longe, mas o corpo já não aguentava mais. Não comia nada e voltava com a cabeça cheia e as dores apaziguadas. Estourava o meu ordenado em táxis e na castanha: dor (alívio da dor), prazer (já muito pouco), compulsão (muita), uma mistura explosiva. Os sentimentos de culpa? Claro que existiam, estavam sempre presentes, quando acordava. Depois do almoço, já tinham desaparecido, era como se tivesse renascido. E era então que começava nova contagem decrescente, até ao momento em que sairia do trabalho e, pelo meu próprio pé, me dirigia até ao dirty boulevard, a fim de por termo a mais uma dose de angústia física. Mas sobretudo a uma dose de angústia na alma. Sabendo, lá no fundo, que estava a destruir a minha vida. O mais difícil era ter todos estes sentimentos contraditórios convocados diariamente. Passei anos nisto. Acho que este foi o maior dos desgastes. Maior que o desgate físico.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário