Pelo menos o avião. A viagem de ida foi tão má que dei por mim a fincar as unhas no antebraço do Jonas, enquanto tentava com dificuldade manter a postura de condessa russa no exílio. Enquanto pensava que se sobrevivesse voltaria para casa de comboio, umas lagrimitas escaparam-me inadvertidas, as malandras. Quando chegámos a terra firme tive vontade de fazer a minha Bento XVI impersonation, mas a condessa russa que vive cá dentro não deixou. E foi pena, as pessoas teriam decerto apreciado. Especialmente as que estavam prestes a embarcar no avião que eu estava com alegria a abandonar.
Enquanto o Tom cantava em San Sebastián passeávamos com a múltipla pelas Ramblas, Paseo de la Gracia, Parque Guell, Sagrada Familia e La Pedrera, comíamos tapas e bebíamos cañas. Gelados em Barceloneta, funicular até Mont Juic, a fonte de mercúrio do Calder na Fundação Miró. Era só para fazer tempo, claro, Barcelona é uma maçada.
Ficámos entusiasmados com a crítica ao concerto basco. Fascinante, formidável, indefinível, impactante, cúmplice, formoso foram alguns dos adjectivos usados para descrever o homem e o seu concerto, de resto o primeiro da tour europeia. As expectativas não podiam estar mais altas.
No dia do concerto démos uns passeios mais curtos, a preparar o corpo e a alma para o que nos aguardava essa noite. Chegámos ao auditório 1h3o antes do início, para reconhecimento do terreno. Já estava cheio de gente cujos olhos brilhavam tanto quanto os nossos. Entre os 30 e os 60, sentia-se o entusiasmo adolescente no ar. Encontrámos vários com o look camisa e chapéu displicente, uma espécie de cortejo de Elvis revival mas com pianos bêbedos em vez deles - uma visão um pouco insólita mas eles estavam felizes e convictos da sua escolha de guarda roupa, e nós demasiado excitados para nos importarmos. Estávamos todos ali unidos por uma força maior, a convicção de que em breve iríamos todos fazer parte de uma coisa magnífica e única.
Foto daqui
Tem razão este quando fala da voz de taberneiro, um velhote afónico-aguardentoso que se mexe como um chimpazé, mas acho que o Tom Waits ia gostar de saber que acertou no alvo. Também este com a metáfora do parto da borboleta, por causa dos problemas com o som, que lhe distorcia a voz para além do que ele faz naturalmente e da demora no arranque do concerto, em vários sentidos.
Os músicos que o acompanharam eram irrepreensíveis - Larry Taylor (baixo), Patrick Warren (teclas), Omar Torrez (guitarra, magnífico), Vincent Henry (sopros) e Casey Waits, seu filho (bateria, da leva de 1985). Essa foi a noite em que fez estrear no palco o seu segundo filho Sullivan, 15 anos e a tremer entre os batuques e o clarinete.
Foi muito bom mas não foi mágico. Tirando a parte em que se sentou ao piano de cauda que o esperava na direita baixa, e acabou a derreter-nos todos com You can never hold back spring ou o Innocent when you dream. As suas palavras de sabedoria entre actuações, essas, ficam entre nós e ele. A paixão alimenta-se a pão do ló.
8 comentários:
que belíssima reportagem.
também te odeio a ti, sabias?
Odiamos, odiamos. O nosso ódio é universalista.
querida oito, a menina já pensou em mudar de profissão? Diz que os jornalistas do Y são uns gandas chatos, acho que animarias o suplemento do Público. Ou, com tanto ódio por aqui, talvez ficasses bem com uma maçã na cabeça e as meninas do womenage a atirarem-te setas.
ó D. Inês, se os do Y são uns granda chatos trabalhar lá deve ser uma grande chatice, fico-me por aqui. As meninas do womenage atiram setas com pontas de borracha, não se apoquente.
Sem se ver, isso de uma melómana soa bem, merci.
e às boazonas ménage e truá, eu gosto mais de amor e paz. Amor e PÁS!
uma reportagem musical mais que MUITO bem esgalhada!
notei-te ali um pequeno oxímoro ("entre os 30 e os 60, sentia-se o entusiasmo adolescente no ar"), mas perdoo-te desta vez pela qualidade da tua prosa.
deixa lá as menageiras arderem no inferno da inveja.
e, sim, um comentário positivo da sem-se-ver só pode ser um GRANDE elogio.
besos!
Que inveja !
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