19 setembro 2007

Mais uma corrida, mais uma viagem

Se no final deste ano eu não for viver para um sítio ermo, sem vizinhos nem gente que me chateie a mona, então é a prova da minha resiliência à prova de bomba atómica.

Começámos a ter uma infestação de baratas no prédio; quase de certeza que vinha de casa da D. Madalena, mas de qualquer modo já estavam a alastrar por mais duas casas. Como eu, boa alma com lugar cativo à esquerda do senhor (seja lá ele quem for) sou a administradora voluntária deste ano, calhou-me em rifa chamar a empresa para eliminar toda a bicharada, de todas as casas, esgotos, partes comuns, e, já que estávamos nisso, os ratos que me atormentam a existência.


O meu dia começou às 8h50 com o senhor a tocar-me à porta enquanto ainda punha cremes na fronha, sem pequeno almoço. Engulo um café e mãos à obra.

Vamos de casa em casa a exterminar tudo aquilo, e eu procuro como uma louca a chave para levantar as caixas dos esgotos. Como não se encontra em lado nenhum, desato a tocar às portas de todos os prédios, a ver se alguém me pode emprestar a sua, mas claro, ninguém tem, sabe ou está. Cada vizinho a quem peço notícias do paradeiro da mesma tem uma brilhante ideia para eu executar; um que ligue à câmara, outros às chaves do areeiro, melhor ainda aos bombeiros. Que vá à casa de ferragens ao fundo da rua. Eu ia sempre perguntando “e um pé de cabra não tem?”. Estranhamente ninguém tinha, mais valia ser vizinha de ladrões de carros, esses ser-me-iam decerto mais úteis que estas abéculas. Depois de percorridos os contactos sugeridos e em nada terem resultado, decido cravar o jardineiro da câmara para me ajudar a levantar as tampas com uma picareta e uma enxada. Dêem-me uma alavanca e eu levanto o mundo; não estava errada. Eu sabia que tinha uma razão para gostar de cavadores de batatas, este também não me deixou mal: prova superada, contra todos os vaticínios.

A velha do r/c esq da janela só repetia “isso não vai dar, assim não vão conseguir”. A múmia do 2º, “ai que partem um pé”, o do 1º “já lhe disse que chamasse os bombeiros, era uma limpeza”. Eu e o cavador é que lhes mostrámos o que era, Arquimedes rules.


No meio disto, a D. Madalena não abria a porta nem por mais uma, apesar dos murros na porta e toques insistentes. Já pensávamos mandar vir a polícia, sabe-se lá o que o Jorge lhe teria feito, quando ela nos aparece sorridente com um ramo de malmequeres e violetas colhidos durante o seu bucólico passeio pelos jardins da vizinhança. Entretanto, a pespineta dos caniches era a única que não aparecia para que lá fossem a casa. Quando entra finalmente pelo prédio adentro, a rugazinha no canto da boca deixou-me logo o alarme: vem chatice. Começou com o seu tomzinho irritante de voz a dizer que na casa dela só depois das 14h30, que não podia ser, que não queria. Respiro fundo, não há de ser nada. Eles voltam na sexta, logo se vê então.

Venho para casa, sento-me no sofá estafada, depois de ter subido e descido dúzias de vezes as escadas do prédio e andado por todas as ruas do quarteirão à procura de uma abertura para os esgotos, quando recebo telefonema da vizinha do r/c: as baratas estão-se a atirar pela janela da D. Madalena abaixo, uma espécie de 11/9 da entomologia. Preferem arriscar a morte por esmagamento que a tortura do veneno. "e agora o que é que eu faço?", pergunta-me. Deixe-as cair. O que é que ela queria que eu respondesse?

Acendo um cigarro e o computador. De repente, começo a sentir a língua encortiçar e os braços dormentes. Ai que estou envenenada, ai minha mãezinha o que é eu faço. Ligo ao homem da desinfestação, explico os sintomas e pergunto-lhe se devo chamar uma ambulância.

"Minha senhora, deve ser fraqueza. Esteve o dia todo a correr de um lado para outro só com um café, que tomou À minha frente. Apanhe um bocado de ar e coma, vai ver que se sente melhor".

Era verdade. Fiquei comovida. Quero ir viver para um prédio onde tenha por vizinhos o jardineiro e o homem da desinfestação.

(continua, como sempre)

10 comentários:

na prise és bestial disse...

gostei muito do suicídio das baratas. Coitados dos que passavam por perto, uma chuva desses bichos não deve ser coisa agradável.
Um conselho: vende a casa e compra uma na porta ao lado. Diz que tem vizinhos que são uma categoria...
PS: no texto aparecem uns misteriosos dif endif e coisas nerdosas. Será obra da pespineta dos caniches?

director disse...

ora o café foi tomado logo após o barramento de creme na, cito, fronha, fim de citação, e antes de começar a ronda (cf. 3º parágrafo).

eis senão quando, surge a revelação, por alturas do penúltimo parágrafo, que o café foi tomado á frente do homem da desinfestação.

temos affaire...

aguardamos ansiosamente desenvolvimentos desta história deliciosa

Anónimo disse...

a minha mãe tem uma dessas chaves das caixas de esgoto... (e nunca teve caniches!!)

-pirata-vermelho- disse...

A graça dos nomes dados à gente do prédio chegava para fazer este artigo mas a lata de escarrapachá-los aqui c'as letras todas merece O MAIOR aplauso; é impossível não rir! Abéculas que não ajudam nada e uma pespineta dos caniches... fica-se logo dentro do filme.

Muito bem!

(e s'este blog fosse sempre feito por esta bloguista?)

8 e coisa 9 e tal disse...

Na prise, deve ter sido obra das terroristas das baratas, a pespineta não chega a tanto.

Nerd, sou muito bem educada - o senhor sentou-se à mesa para preencher os papéis, disse que ainda não tinha tomado café e eu fiz um para cada. No fim de contas somos companheiros de chacina. Estávamos a partilhar o cheiro de napalm pela manhã, soube a vitória.

Eu, para a próxima sei a quem ligar a pedir a chave...

Pirata, se este blog fosse sempre feito por mim não era o oitoecoisa.

Quanto aos difs e afins, já os despachei. Atirei-os da janela abaixo, a ver se encontram alguma barata pelo caminho. Hasta la vista baby.

Ruiva disse...

Mas, olha lá... Já te puseste a pensar no que raio terás feito aos bichos numa qualquer reencarnação passada?!?
Eles são pombos, formigas, baratas... Irra que até parecem as pragas do Egipto!

Ah! E que tal mandar os vizinhos com as baratas suicidas, assim como assim só se estragava uma casa, digo um pavimento...

Tulicreme disse...

"as baratas estão-se a atirar pela janela da D. Madalena abaixo, uma espécie de 11/9 da entomologia."
Epah, muito bom mesmo! Ahahahahah! :)

Anónimo disse...

estão a atirar-se... todas ? não!!!

uma delas, curiosamente parecida com o Charlton Heston dos anos 70/80, vê um caminho de fuga, reúne um grupo e foge para um nível inferior.

mesmo antes de sair da linha de vista do Exterminador, vislumbra uma cena que quase o paralisa de terror - um tupperware com um conteúdo estranhamente familiar e que parece mudar de tonalidade num padrão apenas perceptivel por baratas orientais.

quem estivesse por perto, e compreendesse a linguagem das baratas, não dormiria muito bem ao ouvir o que zunia das antenas da Charlton-barata.

temo bem que ainda não foi desta que ouvimos falar pela última vez das baratas.

-pirata-vermelho- disse...

... mas era mais consistente, mais engraçado e mais útil.

dizia ela baixinho disse...

ah grande múltipla! parabéns pela posta e pela 'atitude'!

(não te esqueças q o zamot se chegou à frente para tratar dos ratos voadores e com patas algumas caixas comment abaixo)