Num destes dias de rara primavera, resolvi sair do buraco (leia-se casa) e dar um passeio a pé. Objectivo: foto-sintetizar. Fechei a porta de casa e comecei a descer a rua. ‘Para onde vou’?, pensei. Subitamente, esta questão pareceu-me demasiado metafísica para os meus propósitos nesse dia, afinal a acção deveria sobrepor-se à reflexão, já farta de pasmaceira estava eu, dias e dias enfiada em casa a atrofiar-me a mente e o corpo.
Cheguei à avenida principal e aí parei, observando a turba de turistas, despejados aos magotes de autocarros provenientes dos sítios mais improváveis. À minha esquerda, uma fila ordeira de turistas esperava pacientemente a sua vez para comprar os tão afamados pastéis de Belém. Olhando à direita, outras tantas centenas de pessoas em grupos comandados por guias turísticos, acenando bandeiras de sinalização e falando mais alto do que o volume da sua voz poderia suportar. Babel parecia ali.
‘Para onde vou’? Desta vez não se tratava de metafísica, mas de uma pergunta bastante concreta. Hummm… Já fui ao Mosteiro dos Jerónimos, ao Planetário, ao Museu da Marinha, ao jardim do Ultramar, não me apetece o CCB… Eureka! Qual Arquimedes fascinada com a teoria da impulsão, descobri o que realmente me fazia falta: e não é que fazia mesmo? Virei à esquerda e entrei na Rua da Junqueira, percorri os 500 metros que faltavam e franqueei os portões de um antigo palacete reconvertido em biblioteca municipal. Era chegado o momento: fui fazer-me sócia das bibliotecas municipais de Lisboa.
O rapaz da recepção tratou expeditamente da minha inscrição. Saí da recepção, exibindo orgulhosamente um novíssimo cartão que não só me dava acesso aquela biblioteca, como a toda uma rede municipal de bibliotecas. Subi as escadas e percorri longa e demoradamente as salas. A catalogação dos livros não era a melhor, mas o silêncio era o de sempre nas bibliotecas (sinónimo de agradável). Mesas e pessoas a ocuparem as mesas. Sala para leitura de periódicos (jornais e revistas). Descobri que o que não imaginava: há vida nas bibliotecas.
Fui, então, à procura do volume de ‘Anna Karenina’, não encontrado até à data em livraria alguma. Lá o encontrei. O tamanho desmesurado da edição disponível (e a tradução, que adivinhava manhosa) bem como o apelo de livros de autores mais recentes dissuadiram-me de o levar. Desci novamente ao 1º piso com cinco livros e um dvd. Detive-me a olhar para o burburinho feito por vários adolescentes que esperavam a sua vez para aceder aos postos de internet disponíveis, controlados ferozmente por uma funcionária. Ainda neste piso, várias salas de literatura infanto-juvenil: a colecção de E. Salgari ali à mão de semear, a Enyd Blyton,… tudo.
Nessa mesma noite telefonei à minha irmã mais nova e comuniquei-lhe o feito, incentivando-a a fazer o mesmo. No outro dia, recebi um telefonema de volta:
- Mana, sabes o que fui fazer agora na minha hora do almoço?
- Não, o quê?
- Fui-me fazer sócia da Biblioteca do Palácio das Galveias. E voltei de lá com dois livros que queria mesmo ler!
Claro. Ela sempre foi muito mais ponderada do que eu: dois livros lêem-se em 15 dias. Requisitar cinco livros só mesmo eu. Lê-los neste arco temporal, apenas nos meus melhores anos. Mas, vá lá, hoje consegui ler um* de uma ponta à outra.
*Ácido sulfúrico, Amélie Nothomb (acintosa e excelente sátira aos reality-shows)
6 comentários:
grande asneira, rapariga, grande asneira é não ficar com o Anna Karenina por causa das muitas páginas. E não vale desculpas como 'ah e tal já sei como acaba' ou 'porque os autores mais recentes e tal'.
Desce a rua, franqueia os portões e redime-te.
querida múltipla,
não me assustei com o nº de páginas, antes com a tradução. a próxima vez q lá for sondo melhor o assunto.
no sondar é que está o ganho, como diz o vedor.
e a múltipla consegue aquilatar da qualidade da tradução do russo?
ena, que o nível aqui está poderoso.
aquilatar é boa. gosto dessa palavra.
(tb gosto de aquilatar)
a múltipa não consegue aquilatar da qualidade da tradução do russo. o q a múltipla consegue aquilatar é da qualidade da tradução do inglês para o português que, como deve ser do conhecimento de quem não lhe apetece fazer o login, era a partir das traduções em inglês q se traduziam os autores russos (par exemple). esclarecid@? sempre às ordens e que não fique nada por aquilatar nesta casa.
obtrigada, adeus, com licença e estimo as melhoras.
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