11 julho 2007

Bem empregada, mal empregada, desempregada

Salvo por curtos períodos de tempo, sempre fui trabalhadora independente, ou seja, com trabalhos com fim à vista, toma lá recibo verde, dá cá dinheiro. Mas nunca tive falta de trabalho, encontrei sempre trabalhos de que gostava muito, onde aprendia e em que sentia que era reconhecida. Nessa altura, não percebia que era uma trabalhadora precária nem o que isso significava e não me preocupava com estas questões. Quando tive a minha filha, por várias razões que serão motivo de outra crónica, estive cerca de um ano sem trabalhar e estava nessa altura a viver noutro país. Mas passado este tempo voltou em força o desejo de trabalhar e receber dinheiro por isso, de poder contribuir para o mundo com aquilo que sei fazer . Coincidiu esta altura com o meu súbito regresso a este país à beira mar plantado, devido à doença da minha mãe. Nem sei ainda bem como, consegui rapidamente um trabalho de investigação que me ajudou a adaptar-me , mas claro, durante apenas 8 meses e a recibos verdes. Depois disso, vieram ofertas que implicavam mudar de cidade o que de facto eu não queria, pois implicava estar longe da família e da minha mãe. Apercebi-me que 6 anos é um tempo muito grande e que eram poucas as redes sociais profissionais que eu tinha. Eram poucas as coisas a que podia concorrer, poucas as respostas que tinha e poucas as entrevistas para as quais fui chamada.
A sensação do desemprego começou a ser mais forte. Estar desempregada fez-me sentir uma série de emoções antes desconhecidas, medo do futuro, medo da idade, falta de confiança, crises gerais e particulares, insegurança face ao trabalho e às minhas capacidades. A desocupação implica também dificuldades económicas, perde-se capital económico e surge a impotência de consumo, perde-se capital social e cultural, referentes fundamentais na vida da cidade, surge o isolamento, o dia a dia limita-se cada vez mais, parece que quanto menos dinheiro se tem menos se vai ter, há alturas em que não se vê a saída, a pobreza económica parece uma inevitável catástrofe. O mundo lá fora julga que tens dinheiro, porque vives numa boa casa e até tens boa pinta e, por dentro, não se sabe onde conseguir dinheiro para um bilhete de ida e volta de autocarro. Em geral, a pobreza é vivida como algo clandestino, e parece não encaixar em quem é da classe média, tem um curso superior e uma forma de vida diferente daquela que se associa aos “pobrezinhos”. Pensei em solicitar o rendimento mínimo, mas nem eu mesma me convencia que era de facto pobre, não me sentia com direito para o fazer com tanta gente de facto a precisar. Por isso continuei a ser simplesmente desempregada. Senti muitas vezes que me olhavam com desconfiança ou comiseração, que diziam que não era desenrascada e valente ou que era uma burguesa acomodada, pois não cumpria com o que se esperava de mim, se estava desempregada é porque alguma coisa se passava. De todos os lados surgiram conselhos e sugestões sobre o que poderia fazer, claro que com toda a boa intenção do mundo, mas houve uma altura em que parecia toda a gente parecia ter a solução para a minha vida menos eu mesma. E às vezes, as pessoas até pareciam ficar ofendidas ou desiludidas comigo quando não queria procurar determinada oportunidade que me indicavam (para elas fantástica, para mim desadequada daquilo que eu queria ou que me julgava capaz), ou olhavam-me de lado quando rejeitava a utilização de cunhas, factor normalizado para conseguir emprego por estas bandas, como se o mérito próprio fosse algo secundário.
E a confiança decresceu cada vez mais, dizem-me que tenho um CV fantástico e só consigo esboçar um sorriso amarelo; de cada vez que envio um CV é inevitável que surja de imediato a sensação de “isto não vai dar em nada”, ao contrário das alturas em que de cada vez que mandava um CV acendia uma velinha e pensava com muito força em como ia ser bem recebido.
A única coisa que me safa neste momento é acreditar sincera, mas talvez estupidamente, que o facto de ter terminado de fazer a minha tese (precisamente sobre o tema da conciliação entre o trabalho produtivo, o trabalho reprodutivo e o ócio), me vai permitir iniciar um novo ciclo da minha vida. Dentro do meu ateísmo, o que me salva é a fé.

10 comentários:

Anónimo disse...

Corajoso, este post.
Só por isso merece não perder a esperança nunca.
Força!

dizia ela baixinho disse...

querida múltipla,

notável testemunho, o teu. compreendo-te e muito bem.

mas não te conheço pessoa de baixar os braços. perder a esperança muito menos.

(já cá fazias falta).

um beijo

Anónimo disse...

Eu vivo rodeado de Doutorandos e convivo com as várias patologias associadas à função... Como há muito tempo também o fui, posso dizer que já conheci as várias facetas da coisa.
Em todo o lado essa condição 8de aluno Doutorando) é precária. Penso que em Portugal e talvez por razões historicas associa-se o Doutoramento ao fim de um percurso e não ao início. Porque tempos ouve em que o grau era passaporte garantido para emprego estável nas Universidades ou laboratórios do estado.
As coisas mudaram muito depressa.
O que lhes digo é sempre o mesmo:
Pensar na tese como um início, uma prova de competência, para depois fazer coisas naquela área (ou noutras), sendo sempre possível que o destino final seja o lixo, porque tese que vale a pena é aquela em que a tese não está demonstrada à partida, aquela em que se corre o risco de estar errado...
Eu já contratei várias pessoas porque fiquei tocado com as suas teses, apesar delas não terem muito a ver com a função a exercer.
Um cartão de visita, um esboço do que se consegue fazer. "Eu sou o Manel e sou capaz de fazer isto". Nada mais.
Ora, por aqui o Doutoramneto ainda tem requintes de elitismo, de proeza intelectual definitiva, de terminus, orgasmo (intectual ou não), pega de Touro, estocada final... E estas coisas pairam no subconsciente dos Doutorandos.
Como tenho muitos ratos neste laboratório posso até descrever experiências interessantes (não, não matei nenhum rato):
- Grupo de 5 Doutorandos, 4 deles infelizes, miseráveis, atormentados, apesar de muito capazes e promissores. O quinto, entusiasmado, fervilhante, a aproveitar cada minuto de cada discussão, a desfrutar de cada ideia brilhante.
Esse quinto era Polaco. Os outros são Portugueses. E digo são porque ainda me andam aqui a atormentar com suas atormentações, não desamparam a loja em busca daquele último e definitivo detalhe que lhes colocará a tese no Olimpo... enquanto que o Polaco acabou em 3 anos e zero dias e foi à sua vida.
É o fado Luso, na sua versão académica...
Oito e picos: acabaste a tese e agora pode ser aquele momento em que tudo começa. Abaixo o verbo acabar.

8 e coisa 9 e tal disse...

Pois é manyfaces, como disse, também acredito que tudo pode agora recomeçar (deus me ouça). A tese é apenas um episódio deste ciclo da minha vida e resolvi aproveitar o desemprego para escrevê-la, demorei 6 meses e 4 dias e cheguei ao final e ainda encontrei mais não sei quantas coisas que poderia ter dito, mas isso ficará para a tese de doutoramento, esta era de mestrado...

O desemprego é fodido por isso quis escrever este post, mas como dizia sabiamente a minha avó, para trás mija a burra. Vejamos o que nos reserva o futuro.

Dizia ela baixinho e micas, aquele abraço

D. Ester disse...

quem escreve assim não é gago. deixa-me é com poucas palavras.

quanto a teses, muito haveria para dizer mas agora não me apetece.

Anónimo disse...

À brava múltipla, tudo! Foi um post visceral mas de uma lucidez desconcertante. Obrigado pela partilha e um abraço muito apertado.
Quanto ao quebranto, o diabo que o carregue!

JPN disse...

fé e amigos, é o que tu tens, lol! e g'anda postada, sim senhor. Beijos.

8 e coisa 9 e tal disse...

os amigos JPN, os amigos e as amigas é de facto o maior bem que temos, e que tenho. Bem lembrado. um abraço

Ruiva disse...

Minha querida, como eu te comprendo! Irra, que esta até parece a história da minha vida!...
Olha, só te posso dizer que, para o bem e para o mal, não estás sozinha, deste lado uma Ruiva sente exactamente o mesmo que tu... Só não sei se isto ajuda alguma coisa... Mas pelo menos é bem melhor do que o inevitável comentário com que sou quase sempre brindada: "pois, então e agora? Já estás com uma idade tens de arranjar qualquer coisa para fazer! Não te podes deixar ir assim abaixo!"...
Reconheces, não reconheces?!?

8 e coisa 9 e tal disse...

ferpeitamente Ruiva, ferpeitamente. Mas olha, mandemos-los às urtigas, o futuro ainda está por escrever e apesar de não vivermos sozinhas, cada uma tem a caneta para escrever a sua vida... e isto lembrou-me a música do Toquinho Aquarela, vou já postá-la.