16 abril 2007

O amor e o querer

Não sei qual é o critério para escolher poesia e prosa no liceu. Lembro-me de ter dado este lindíssimo poema de Almeida Garrett, que me girou na cabeça de cor durante anos, e me acompanha até hoje. Lembro-me do quanto me intrigava o seu significado, de nunca me ter bastado a explicação de que falava a uma nova mulher depois do seu verdadeiro amor ter morrido. Como era possível dissociar o desejo do amor, eu que nem sabia o que era o desejo.
Hoje compreendo-o. E não sei como raio era suposto meninos no limite da puberdade entenderem todo o esplendor dos sentimentos que aqui estão.

Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma --- tenho a calma,
A calma --- do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida --- nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

5 comentários:

sem-se-ver disse...

sim. tenho uma amiga (vamos chamar-lhe assim) que também ainda hoje o sabe de cor. e porventura aquela não terá sido a idade adequada para o entender em toda essa vastidão que só a idade comporta, mas sabe?, cara oito e coisa, o que interessa é que o demos; e o soubemos de cor. e, se o soubemos de cor, foi porque o compreendemos, e não só ao nível da memorização. algo ressoou dele dentro de nós. por isso não o esquecemos.

e o desejo também é feito disso - de memórias que não se esquecem; ou que não se esquecem que gostariam de ser memórias, quando o corpo e as circunstâncias não permitiram concretizá-lo além do próprio querer contido no desejo.

eu sou feita de ambas. todos nós, não é verdade?...

uma boa noite.

Anónimo disse...

Clouds appear
and bring to men a chance to rest
from looking at the moon.

Basho, Matsuo. (1644-1694).

Anónimo disse...

vê, libelinha
dois tem só uma sílaba.
amor-perfeito.

Bomber, Poet. (datas ilegíveis)

dizia ela baixinho disse...

eu também sabia (e sei) este extraordinário poema de cor...

:)

8 e coisa 9 e tal disse...

sem se ver, tem razão quando diz que valeu a pena dá-lo na mesma. Quanto mais não seja para o que a incompreensão me roesse até que lhe descobrisse a força.

poet, andamos inspirados heim?

dizia ela baixinho, les bons sprits já se sabe. Somos nós e a amiga da sem se ver (chamemos-lhe assim)