Eu tenho tudo em cima de mim. A solidão da minha mãe (ando com ela para todo o lado para lhe encher os dias), a loucura da minha irmã (estou sempre à espera do momento em que o copo enche e ela se transforma noutra), a indiferença morna do meu marido (finge que não me ouve e revira-me os olhos). Agora que o meu marido não está em casa, o cão dorme na minha cama. Se ele voltar, terei de me levantar à noite e consolar o cão na cozinha, a mamã gosta muito de ti, tal como consolo a minha mãe, a tua filha gosta muito de ti. E eu?
Sou um homem importante, já não posso ir mais longe do que o lugar onde cheguei, à minha volta vozes que me dizem senhor professor a todos os meus gestos. Acumulo títulos com o rigor de um filatelista, arrumo-os em linha por baixo do meu nome e todos os anos a linha cresce e eu envelheço.
Rua. Foi o que lhe respondi quando me disse encolhido que eu merecia mais do que ele. E agora fechei o escritório com todos os livros que ele ainda não tirou de nossa casa, invento concertos e espectáculos que alaguem as noites intermináveis até à hora em que caio na cama e repito sozinha rua rua rua até conseguir adormecer.
3 comentários:
há textos q nos emudecem, q não nos deixam soltar as palavras q os mesmos merecem. vá-se lá saber porquê...
já me me aconteceu uma e outra vez: e agora mais esta.
o q dizer?
muito bom é pouco, excelente tb.
já tinha saudades deste modo de contar as palavras que nos faz sentir o pensamento dos personagens.Gostei mesmo, mesmo muito.
prosa elegante. parabéns.
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