Apaixonaram-se, sem perceber muito bem como nem porquê. Na realidade, nunca se percebe mas desta vez foi mais complicado. Ele não era uma pessoa disponível. E no entanto ali estava, com a empatia apenas possível às almas disponíveis. Ele era o tipo de pessoa que ela sempre tinha evitado, tentou fugir do que sentia e à sua presença, mas quanto mais se escapa mais o encontro se torna urgente.
Falavam durante horas sobre tudo e coisa nenhuma. Percebiam o que o outro queria dizer, mesmo quando não diziam nada. Riam das mesmas coisas, comoviam-se com o mesmo. A verdade é que nunca aconteceu mais nada, tranquilizavam-se. Mas às vezes o nada é quase tudo. Por esses nadas decidiram que era melhor ainda menos, mas continuavam dentro um do outro. Com o tempo parecia que tudo se diluiria, todos o garantiam e mesmo eles queriam acreditar que assim fosse.
O fosso que construiram era cortado por pontes que de vez em quando decidiam baixar. Quando se encontravam assim era como se todo aquele tempo desaproveitado enchesse o espaço de uma vez só. Às vezes havia tanto a dizer que ficavam calados durante muito tempo a olhar um para o outro, e nesse olhar atropelavam-se milhares de vogais, consoantes, sílabas, pontuações com muito mais do que todas as palavras que queriam ter podido usar entretanto.
Encheram o fosso de água e povoaram-no de crocodilos ameaçadores, tentando evitar a construção de pontes periclitantes e desaconselhar a sua passagem. Mas continuavam dentro um do outro, e qualquer motivo era bom para dar uma espreitadela à outra margem, para ver se o outro continuava lá. Estava sempre.
Esperavam um sinal, um gesto, um som. Ela sabia que não podia fazer nada. Ele queria ter tudo sem deixar de ter nada.
Continuam ainda hoje, um de cada lado. Ele, com a sua indisponibilidade. Ela, com uma mão cheia de afecto e outra de tristeza. E a certeza de que será assim para sempre.
13 comentários:
este texto deixou uma pedrinha encrustrada no ventriculo esquerdo. Um abraço querida
Cheers, darling.
Todos os dias ao almoço ele lhe telefonava às 12:30. Encontravam-se a caminho da cantina, às vezes só os dois, outras vezes acompanhados por outros colegas. De manhã tomavam café juntos, à tarde lanchavam juntos. Sempre assim durante 7 anos. Ela casou no ano passado, num Sábado de Maio. Convidou toda a gente mas ele não conseguiu ir. Nesse mesmo dia ele almoçou sozinho no Tico-Tico. Lembro-me de o ver de costas, numa mesa virada para o largo da Igreja. Nesse fim de semana ele veio trabalhar. Eu também trabalhei nesse fim de semana. Vi-o a passear no jardim durante horas, depois voltou ao lugar, activou o "Out of office" no Outlook e saiu:
"I'm leaving office today and I'm only coming back to work on October the 1st".
Eu sabia que ele tinha acumulado quatro meses de férias durante 7 anos. Telefonei-lhe.
- João, quatro meses seguidos? Para quê João?
- Comecei a pensar se aguentaria vê-la outra vez na segunda feira, ou no dia seguinte ou na semana seguinte, ou no mês seguinte... e nehuma das datas me parecia viável. Decidi tirar os 4 meses seguidos.
e uma musiquinha p alegrar?
já a ponho lá em cima.
:)
Uma música sobre rectas paralelas? :-) A mim parece-me que temos que abrir a nossa mente às infinitas possibilidades de viver o amor. De NÓS vivermos e de OUTROS que conhecemos e amamos viverem. E melhor sabermos valorizar a luz que deixam nas nossas vidas mesmo que connosco não encetem, pelas mais variadas razões, um caminho que acreditamos que seria de luz. Porque... alguém nos garante que seria de facto? E porquê deitar fora toda a luz que ainda poderiam projectar sobre as nossas vidas, projectada de outros pontos, de outras rectas, de outras curva por onde a vida os leve? O amor tem que se abrir, julgo, às infinitas possibilidades do mundo, às variantes do devir, e aceitar um dia as limitações dos modelos que se fecham às respirações desse corpo sempre em permanente metamorfose que é a vida.
e nao acrescento mais nada.
apenas que eu tambem tenho as mãos cheias.
2 visitantes online
na prise, a ver se faço uma limpeza às coronárias, que isto de acumular pedrinhas no ventrículo esquerdo tem que se lhe diga.
Dorean, à nossa.
manyfaces, vizinho, bons olhos o leiam. e os quatro meses terão sido suficientes ou o seu amigo (chamemos-lhe assim) decidiu mudar de empresa?
Dizia ela baixinho, venha a música, enquanto isso eu e o dorean pedimos mais uma rodada.
anónimo, pois é, reinvente-se o amor. Seja lá o que isso for - a reinvenção e o amor.
miss detective, mãos cheias parece-me bem. De quê é que já é outra questão.
2 online às 1h17? uma boa hora como outra qualquer.
Entretanto, leiam o poema que dá título à posta; não é meu, é do Auden. Vale mais a pena.
doloroso...de todos os lados, em todas as facções, mas talvez valha mais conhecê-lo desta forma dolorosa do que nunca poder senti-lo. digo eu que até tou num dia bom...
parabéns pelas palavras tão sentidas, tão profundas e escritas de forma tão bela...
o poema é muito lindo!
but i also can't tell you the truth about love...
" Some say that love's a little boy,
And some say it's a bird,
Some say it makes the world go round,
And some say that's absurd,
And when I asked the man next-door,
Who looked as if he knew,
His wife got very cross indeed,
And said it wouldn't do.
(...)
" When it comes, will it come without warning
Just as I'm picking my nose?
Will it knock on my door in the morning,
Or tread in the bus on my shoes?
Will it come like a change in the weather?
Will its greeting be courteous or rough?
Will it alter my life altogether?
O tell me the truth about love".
Vês como o Auden o diz como ninguém? É que o mui estupor para além de ser inteligente e talentoso, tinha graça que se fartava. Um assim é que me fazia falta.
Fiquei tão triste...
*****
Há encontros assim, que perduram para todo o sempre. Eu sei...
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