25 julho 2006

25 Julho 1999

Todos os anos, por esta altura, assaltam-me as mesmas perguntas: o que teria acontecido se nao tivesse decidido ir para casa naquele domingo à noite? O que teria acontecido se nao me tivesse despedido de ti numa das bocas do metro de Alvalade e nao tivesse parado no primeiro lanço de escadas, e voltado para tràs e dito adeus, enquanto tu olhavas o meu desaparecimento a sorrir?

Sao 13:00 e olho para fora da janela do comboio. Espera-me uma reuniao de trabalho. Tenho que me despachar. Olho na outra direcçao e daquela janela vejo a Torre de Belém e o rio ao fundo. Sinto uma trepidaçao na mala. Tiro os headphones dos ouvido. Atendo o telefone: estou? Do outro lado uma voz feminina que nao conheço. Saio em Alcantara-Mar. Apetece-me explodir de raiva. Estou furiosa. Maldigo-te a ti e à vida, a puta da vida. Também tu? Porra, também tu? Sento-me na berma da estrada, apoio a cabeça nos joelhos. Nao sei quanto tempo fico ali. Levanto-me e saco umas moedas da carteira, vou a uma cabine telefònica, apanho um tàxi e parto para a realidade.

A minha irma no fundo da rua com uma saia comprida. Subimos as duas a ladeira. O telefone a tocar sem parar. Pego no telefone e numa agenda e marco numeros. 3 horas nisto. A tua mae sentada a olhar para mim. Pessoas que nunca vi a entrarem e a sairem. Cumprimentos mecanicos, sorrisos mecanicos, respostas mecanicas. As palavras sao iguais, todas iguais, todas igualmente inuteis. Calem-se, foda-se. Nao me digam nada, nao me chorem, nao vertam lagrimas. Que flores? Onde é que ele està? Decido as flores. Enterro a cabeça na almofada e choro mais uma vez de raiva. Tomo qualquer coisa para dormir. Nao suporto o teu cheiro ali presente. Odeio-te com tudo o que tenho dentro de mim.

Acordo. è mesmo verdade. A parte de tràs de uma igreja, eu sentada num banco, 2 amigos, um de cada lado. Volto para dentro e vejo-te. Peço para te ver. O teu pai, que nunca vi, de pé, conversa numa pose coktail. A tua mae muda desde ontem, de olhar enxuto e perdido, sentada ao pé da tua avò. O cheiro enjoativo das flores, nao suporto o cheiro das flores, vou para fora e apetece-me vomitar. Um tasco ao fundo da rua, emborco umas imperiais, outra irma ao lado, amigos que aparecem e que se juntam, pessoas que nao conheço e que se juntam. Falamos, rimos, o ruìdo ocupa o espaço todo daquela sala. Eu rio-me cada vez mais e mais alto. Desato às gargalhadas. Aparece a minha mae e saio dali para fora. Vou para um quarteirao da cidade e faço a ronda inteira dos nossos bares. Perco-me em ruas e em cervejas. Ali sinto pela primeira vez o teu naufràgio.

Acordo. è mesmo verdade. A cabeça pesada e a nàusea sempre presente. Chego atrasada e vejo-te outra vez. Estàs a sorrir e trazes um ar irònico. Despeço-me com um beijo e dou-te uma flor. Jà nao te tenho tanta raiva, mas sò porque estàs a sorrir. Volto-me de costas quando vejo a cal. Ouço um estalido metàlico. A porta fechou-se. Volto para casa no mesmo comboio que me trouxe. Deito-me na cama e perdida na realidade pergunto-me: o que teria acontecido se nao me tivesse despedido de ti numa das bocas do metro de Alvalade e nao tivesse parado no primeiro lanço de escadas, e voltado para tràs e dito adeus, enquanto tu olhavas o meu desaparecimento a sorrir?

5 comentários:

Anónimo disse...

É bonito a gente lembrar quem nos ajudou a construir um pouco de nós. Uma homenagem fica sempre bem em qualquer lado, pois que é o momento em que nos olvidamos de nós em favor explicito de outro.

Anónimo disse...

"(...)
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."


pareceu-me adequado. JL

JPN disse...

:)

JPN disse...

Da beleza que dói.

na prise és bestial disse...

a vertigem e a pergunta sempre. Perfeito retrato da irrealidade da perda.