20 julho 2006

Na noite passada

Moro no ultimo andar do nº22. Uns amigos meus moram no último andar do nº24. Ambos temos alçapões para o sótão, onde apenas existe um enorme espaço de que as pombas se tentam apropriar.

Ontem à noite recebi um telefonema do meu vizinho. Tinha chegado a casa depois de 2 dias de ausência, as portas do armário da entrada estavam abertas e o alçapão tinha sido tirado do sítio. Pânico.
Saio de casa, sempre de telefone na mão, não vá o eventual larápio ter saltado do seu sótão para o meu e estar prestes a cair-me no colo com o seu ar maléfico e intenções mais que certas. Desço as escadas do meu prédio, subo as dele. Dou com o meu amigo a falar muito baixinho. "as miúdas estão a dormir?" "não, é para o ladrão não se assustar". Claro.
Chamamos a polícia, não chamamos a polícia. Se calhar foi o vento, tenta ele. O vento como, se não há nada que tenha voado da bancada da cozinha?, respondo eu. Além do mais era preciso um tufão para fazer saltar o alçapão e movê-lo 1 metro para a esquerda.
"Vamos à esquadra, se telefonarmos só e eu disser que não falta nada não vem cá ninguém"
Metemo-nos no carro, vamos para a esquadra. Dirigimo-nos ao guichet, onde o chefe do posto tem uma televisão aos berros atrás de si. Tenta-nos ouvir no meio dos gritos do écran, até que decide baixar o volume.
"falta alguma coisa em casa? jóias?"
(talvez o diadema da beatriz, que tem 3 anos)
Não, sr. agente, não falta nada. Mas alguém violou a minha residência e queria que vissem o que se passa.
O sr. chefe do posto levanta-se, sai do guichet e dirige-se ao grupo de agentes que estão na porta, a rezar a todos os santos que seja mais uma noite tranquila.
Anuncia, "Santos, vá ali com este senhor ver o que se passa na sua casa. Silva, acompanhe-o"
O Silva era um quarentão, barrigudo e careca. O Santos parecia saído de um calendário pirelli para mulheres, alto, moreno, boca grossa, olhar intenso. Olho-lhe logo para as mãos (reflexo pavloviano) e descubro um anel na mão direita.
Quando chegam, o atlético Santos sobe ao escadote e espreita lá para dentro, não sem antes libertar a sua arma do coldre e desapertar o fecho de segurança. Olha para a direita e para a esquerda, "não há cá nada".
O meu amigo sobe mesmo lá para cima, o Santos não quer dar parte fraca e sobe tb. Eu fico a falar com o Silva.
"esta zona é perigosa? ouvi dizer que há muitos assaltos a velhotes"
"ah sim, mas é mais burlas. Fazem-se passar por agentes da EDP e coisas assim, e levam-lhes o dinheiro. Mas há por aqui gente muito pouco recomendável. Por exemplo, um senhor que mora aqui no nº 28... mas não posso dizer mais"

O meu amigo e o Santos descem.
O Silva
"quando estáveis lá em cima não visteis se havia pegadas?"
Pois que não, que estava escuro, que havia muita porcaria. Mas que há passagem entre os andares num cantinho do sótão. E que se terá de investigar durante o dia.
"Há que estar sempre um passo à frente deles, um alçapão assim não pode estar aberto", avisa-me o Silva.
Perguntam ao meu amigo se ele vive sozinho; ele diz que a mulher e as filhas estão de férias no Algarve. Troca de olhares e sorrisos cumplices entre os agentes da autoridade, imagino-lhes o pensamento "a família está fora, enfia a vizinha em casa".
Cumprimentamos os senhores de bacalhau, vão-se embora. Bebemos uns copos. Eu volto para casa, durmo trancada dentro do quarto não vá o diabo tecê-las. De manhã ligo para o empreiteiro para pedir tranca para o alçapão. Ainda tenho o PC.

5 comentários:

Anónimo disse...

spooky.....

8 e coisa 9 e tal disse...

não sou jornalista. O que é escrever "assim"?

(não li o mil folhas de 15 de julho, aguardo o artigo scanarizado. Se puder e quiser, pois claro.)

Anónimo disse...

hoje vou fazer como o pirata - uma rimazita. aqui vai:

tenho no meu quintal
um raminho de hortela.
q belo verso, ha?

(epà, saì-me bem).

(nao tenho tiles, DESCULP!)

Anónimo disse...

ok, mais uma rima, qu'isto animou:

s'o mar tivesse varandas
ia-te ver ò brasil
com'o mar nao tem varandas
mando-te um bilhete postil

(oops, o final foi um bocado forçado mas entenda-o com'uma liberdade poètica).

Anónimo disse...

Temos poeta, sr pirata.