Era uma vez um lagarto muito verde e viscoso. Não era de todo um lagarto vulgar porque não comia insectos de qualquer tipo.
Era um lagarto vegetariano. Ocupado na sua vidinha rotineira, comendo folha após folha com alegria e vendo os outros lagartos a suarem as estopinhas antes de se resfastelarem a comer um mísero moscardo ou coisa que o valha.
A sua vida era simples, bela e corria sem preocupações.
Um dia o lagarto encontrou, de caminho entre uma oliveira e um chaparro, um magnífico e possante gafanhoto amarelo.
Deram os dois de caras, quando o tronco em que se apoiava se partiu e o lagarto escorregou até ao tronco logo abaixo onde o gafanhoto, traquilamente se entregava distraído à sua higiene pessoal de limpeza das patas traseiras.
- Chiça! - bramiu o lagarto. - Estas árvores não são de confiar!!
O gafanhoto torceu cada um dos olhos em direcções opostas procurando uma saída e depois congelou.
- Olá. - cumprimentou o lagarto. - Que tens tu? Assustei-te? Peço desculpa, cai sem querer.
O gafanhoto rodou um dos olhos na direcção dele e gaguejou qualquer coisa imperceptível.
O lagarto inclinou a cabeça e olhou-o de esguelha.
- Desculpa, não ouvi... 'tás meio branco tu... isso pode ser anemia... não é muito bom.
- Não me vais comer? -perguntou o gafanhoto espantado.
O lagarto soltou uma sonora gargalhada.
- Comer-te? Que nojo!! Ha ha ha, de forma alguma. Sou um lagarto vegetariano. Não como bichos como tu.
- Bichos como eu ?
- Sim, com pernas, asas e sobretudo bem falantes, -retorquiu o lagarto com um ar enjoado.
- Precisas de proteínas para viver. - elaborou o gafanhoto pensativo. - Eu tenho disso à brava. Só podes tar a fazer bluff a ver se me apanhas desprevenido.
- 'Tás-me a dar azia . - disse o lagarto enquanto lhe voltava costas para se ir embora.
- Espera!, gritou o gafanhoto saltando por cima dele até ficar á sua frente. - Deixas-me confuso assim. Violas as regras da selva.
- Também me estás a deixar confuso a mim. - respondeu o lagarto. - És um gafanhoto com um grave caso de anemia e nunca vi nenhum a roer as unhas como 'tás a fazer agora.
- Não tenho unhas.
- Hmmm... pois. Isso ainda é mais grave. Vais ficar sem pata, portanto.
- Estás a deixar-me doido!! - gritou o gafanhoto, já com menos uma pata. - Vem, tenta apanhar-me e comer-me!! E eu tento fugir!! É essa a ordem natural das coisas!!
- Tens a certeza que não és um camaleão? -perguntou o lagarto desconfiado. Já não estás branco, estás a ficar seriamente vermelho. Isso também não deve ser nada bom.
O gafanhoto suspirou profundamente roendo a outra pata nervosamente e abanando a cabeça em negação. - Eu sabia que não devia ter deixado a terapia tão cedo... - Lamentou-se.
- Aceita-me assim bicho camaleão. - Não te quero comer.
- Não sou nenhum camaleão!! - Gritou o gafanhoto batendo com a cabeça no chão, sem patas que o segurassem.
- Bom, - Respondeu tranquilo o lagarto, - é esse o meu diagnóstico. Comeste as duas patas da frente e agora mudaste de cor novamente e estás verde, verdinho como eu. Não sou nenhum catedrático mas...
O gafanhoto arrastou-se pelo tronco fora em direcção ao lagarto e desatou num pranto encostado ao seu ombro.
- Já não sou gafanhoto nem camaleão. Não passo dum coto sem pernas agora.
- Devias ter acreditado em mim. - Disse o lagarto em tom de consolo.
- Não podia. - Garantiu-lhe o gafanhoto. - Colocaste-me num drama existencial sem saída. Ousaste violar as leis mais básicas do nosso mundo, eu fujo e tu corres atrás de mim, é tão simples, porque tinhas que complicar?
- Sabes mal.
- Esquece isso!! Que querias que acontecesse? Agora ficavamos amigos ou coisa assim? Formavamos parceria? És doido lagarto!! Bichos como tu, com esse tipo de visão arriscam-se a ser banidos. Não me posso dar com amotinados, revolucionários!
O lagarto encolheu os ombros. - Sabes mal.
- Come-me!! Come-me duma vez por todas seu lagarto anarquista e dissidente!! Come-me e vive de acordo com a tua natureza!! É assim que tem de ser!!
E foi assim que um lagarto vegetariano muito verde e viscoso sacou dum alka-seltzer e comeu um gafanhoto amarelo só por descargo de consciência.
Era um lagarto vegetariano. Ocupado na sua vidinha rotineira, comendo folha após folha com alegria e vendo os outros lagartos a suarem as estopinhas antes de se resfastelarem a comer um mísero moscardo ou coisa que o valha.
A sua vida era simples, bela e corria sem preocupações.
Um dia o lagarto encontrou, de caminho entre uma oliveira e um chaparro, um magnífico e possante gafanhoto amarelo.
Deram os dois de caras, quando o tronco em que se apoiava se partiu e o lagarto escorregou até ao tronco logo abaixo onde o gafanhoto, traquilamente se entregava distraído à sua higiene pessoal de limpeza das patas traseiras.
- Chiça! - bramiu o lagarto. - Estas árvores não são de confiar!!
O gafanhoto torceu cada um dos olhos em direcções opostas procurando uma saída e depois congelou.
- Olá. - cumprimentou o lagarto. - Que tens tu? Assustei-te? Peço desculpa, cai sem querer.
O gafanhoto rodou um dos olhos na direcção dele e gaguejou qualquer coisa imperceptível.
O lagarto inclinou a cabeça e olhou-o de esguelha.
- Desculpa, não ouvi... 'tás meio branco tu... isso pode ser anemia... não é muito bom.
- Não me vais comer? -perguntou o gafanhoto espantado.
O lagarto soltou uma sonora gargalhada.
- Comer-te? Que nojo!! Ha ha ha, de forma alguma. Sou um lagarto vegetariano. Não como bichos como tu.
- Bichos como eu ?
- Sim, com pernas, asas e sobretudo bem falantes, -retorquiu o lagarto com um ar enjoado.
- Precisas de proteínas para viver. - elaborou o gafanhoto pensativo. - Eu tenho disso à brava. Só podes tar a fazer bluff a ver se me apanhas desprevenido.
- 'Tás-me a dar azia . - disse o lagarto enquanto lhe voltava costas para se ir embora.
- Espera!, gritou o gafanhoto saltando por cima dele até ficar á sua frente. - Deixas-me confuso assim. Violas as regras da selva.
- Também me estás a deixar confuso a mim. - respondeu o lagarto. - És um gafanhoto com um grave caso de anemia e nunca vi nenhum a roer as unhas como 'tás a fazer agora.
- Não tenho unhas.
- Hmmm... pois. Isso ainda é mais grave. Vais ficar sem pata, portanto.
- Estás a deixar-me doido!! - gritou o gafanhoto, já com menos uma pata. - Vem, tenta apanhar-me e comer-me!! E eu tento fugir!! É essa a ordem natural das coisas!!
- Tens a certeza que não és um camaleão? -perguntou o lagarto desconfiado. Já não estás branco, estás a ficar seriamente vermelho. Isso também não deve ser nada bom.
O gafanhoto suspirou profundamente roendo a outra pata nervosamente e abanando a cabeça em negação. - Eu sabia que não devia ter deixado a terapia tão cedo... - Lamentou-se.
- Aceita-me assim bicho camaleão. - Não te quero comer.
- Não sou nenhum camaleão!! - Gritou o gafanhoto batendo com a cabeça no chão, sem patas que o segurassem.
- Bom, - Respondeu tranquilo o lagarto, - é esse o meu diagnóstico. Comeste as duas patas da frente e agora mudaste de cor novamente e estás verde, verdinho como eu. Não sou nenhum catedrático mas...
O gafanhoto arrastou-se pelo tronco fora em direcção ao lagarto e desatou num pranto encostado ao seu ombro.
- Já não sou gafanhoto nem camaleão. Não passo dum coto sem pernas agora.
- Devias ter acreditado em mim. - Disse o lagarto em tom de consolo.
- Não podia. - Garantiu-lhe o gafanhoto. - Colocaste-me num drama existencial sem saída. Ousaste violar as leis mais básicas do nosso mundo, eu fujo e tu corres atrás de mim, é tão simples, porque tinhas que complicar?
- Sabes mal.
- Esquece isso!! Que querias que acontecesse? Agora ficavamos amigos ou coisa assim? Formavamos parceria? És doido lagarto!! Bichos como tu, com esse tipo de visão arriscam-se a ser banidos. Não me posso dar com amotinados, revolucionários!
O lagarto encolheu os ombros. - Sabes mal.
- Come-me!! Come-me duma vez por todas seu lagarto anarquista e dissidente!! Come-me e vive de acordo com a tua natureza!! É assim que tem de ser!!
E foi assim que um lagarto vegetariano muito verde e viscoso sacou dum alka-seltzer e comeu um gafanhoto amarelo só por descargo de consciência.
8 comentários:
lagarto,lagarto,lagarto...
que bela fábula!é isso! às vezes somos nós que nos "mete-mos na boca do lobo"! ou dos lagartos...
ou o preconceito que nos impede de acreditar na mudança.
*seedeg(não quer dizer nada, mas desta vez foi fácil!!!!)
chiça, que gafanhoto tão psicorigido e que lagarto tão acomodado aquilo que se diz sobre o que é a lei da selva
o lagarto podia ter oferecido um lexotan ao gafanhoto. Poupava uma indigestão e garantia a integridade da sua escolha alimentar.
temos la fontaine do século XXI, 'tà visto! :)
eu tb teria receitado ao gafanhoto alprazolam em associaçao com fluoxetina (a ver se lhe dava um 'up' no humor miseràvel) e talves diazepam antes de deitar, nao se fosse dar o caso do bicho ter insònias; teria tb aconselhado-o vivamente a retomar a anàlise, mas numa base semanal mais frequente.
quanto ao lagarto, è um vendido. a partir do momento em que se abriu o precedente, aposto que começou a engolir sapos. por esta altura, jà deve comer bifes do lombo ao jantar e quase que aposto que é fa de churrasco de rodìzio.
p.s. palavra de hoje: jojos!
a màquina deve te-la dedicado ao gato aqui da casa que assim se chama.
não há para aí um amiguinho no mundo editorial (xis, visão, expresso, etc...) para publicar isso numa crónica semanal?
palavra de hoje, nem de propósito
x fuk p
concordo, o la fontaine no sec xxi, sendo a única diferença o facto do la fontaine saber escrever e saber inovar conceitos já expostos anteriormente
que século será esse? séc xxi... não tou a ver ...
Hum... muito bom... Fez-me lembrar a lenga-lenga infantil do "Cuco que não gostava de couves" - deves conhecer. A vontade e as convicções individuais são mesmo muito maleáveis, por vezes - seja por ameaça de levar com um pau, seja por descargo de consciência. Só espero que o pobre lagarto não tenha aprendido a apreciar gafanhotos como o Cuco teve de aprender a apreciar couves... =)
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