30 junho 2006
Espera
29 junho 2006
28 junho 2006
Apelo às mentes brilhantes
Anões e arremessos
Como não conheço nenhuma pessoa com baixa estatura, comecei a fazer memória daquilo que tenho ouvido sobre elas. Lembrei-me que desde a idade média e até há bem pouco tempo, os anões eram elementos sempre presentes no elencos dos circos, personagens ridicularizadas como burlescas pela sua aparência física, independentemente do que sentissem como pessoas.
Resolvi ir ao Google, essa fonte sempre fértil para as respostas às mais variadas perguntas. Resultados: Branca de Neve e os Sete Anões, os anões do tolkien, anões de jardim, etc, etc. Parece que os anões são seres imaginários, com poderes mágicos e com uma sabedoria muito própria.
Resolvi abrir mais umas páginas para ver se encontrava algum anão da vida real e depois de muito clickar lá apareceram alguns sites sobre associações de pessoas pequenas ou com enanismo, que se juntaram para se apoiar e combater a discriminação de que são alvo na nossa sociedade. Fiquei então a saber que uma em cada 25000 pessoas pode ser de baixa estatura derivado ou a causas genéticas ou a problemas hormonais, que não se aplica o ditado filho de peixe sabe nadar pois pais de estatura normal podem ter um filho/a com enanismo, assim como pais com baixa estatura podem ter filhos/as com estatura normal, e que este problema afecta tanto a homens como a mulheres. Aprendi também que um dos principais problemas das pessoas pequenas no dia a dia é a mobilidade, pois os transportes públicos, os elevadores, as ruas, a cidade em geral, não estão adaptados para elas.
(click) Jardim Infantil “O Anão Tareco” (será que nesse jardim haverá alguma criança que tenha esta doença? )
Não acredito que as pessoas de baixa estatura sejam pessoas burlescas, estranhas, ou mesmo más, como também está presente no imaginário colectivo. Imagino que sejam pessoas comuns e correntes, que têm paixões, angústias, zangas, que se preocupam com o pagamento da água e da luz e com a educação dos seus filhos e filhas. Entre elas haverá certamente profissionais de hotelaria ou de medicina, arquitectura ou engenharia electrónica, caixas de supermercado, disco jókeys, mecânicos, desempregados, sei lá, qualquer estado laboral possível, pois num dos resultados da pesquisa diziam que o seu desenvolvimento geral é “normal” ou seja igual ao das pessoas com estatura considerada normal. E seguramente haverá pessoas de baixa estatura mais bem dispostas, mais sociáveis, outras menos, uns mais amáveis, outros mais carrancudos, imagino que sejam iguais a toda a gente.
Se eu fosse de baixa estatura, não gostaria que me recordassem isso constantemente, que me olhassem como diferente, feia, monstruosa, ridícula, risível, ou que achassem que eu era má sem me conhecerem, ou se fosse homem, que me olhassem com ar divertido fantasiando que o meu pénis era inversamente proporcional à minha estatura. Não deve ser nada fácil estar fora dos padrões estabelecidos como adequados e bonitos para a estatura e a aparência física.
Já para as últimas páginas da pesquisa encontrei um provérbio: anão acordado mata gigante dormido.
27 junho 2006
Calamity Jane
- Bom, nós na realidade já tínhamos exposto o caso à Tia Paula...
- Naaa'... Deixem isso comigo.
- Ok. És cá das nossas.
26 junho 2006
Amanhã vai ser assim
O mundial mundano
Gosto do Mundial, não vou negar, gosto de ver as bandeiras nas janelas, assim como no Natal gosto de ver as casas decoradas com as luzes natalícias.
Gosto de ver a euforia colectiva, de ver o Gana jogar contra a Coreia do Sul, ou os Camarões contra os Checos, de sofrer com cada jogo de Portugal, de ver o meu pai a comer nervosamente amendoins, tremoços, pevides, unhas, de juntar-me com amigos e amigas para sofrer, maldizer, analisar com ares doutos cada falta cometida, ou de estar nas praças públicas a gritar em conjunto. Gosto também de ver quando as faltas recordam aos jogadores que o jogo tem ética e que o fair play é condição fundamental, gosto de ver as pessoas contentes a festejar, mascaradas, pintadas, divertidas, e ainda gosto mais quando o fazem mesmo tendo perdido o jogo. Também gosto de ver que o futebol já não é só um jogo masculino, gosto de ver homens e mulheres misturados nas claques.
Mas aquilo eu mais gosto é ver muita gente faltar ao trabalho para “ver o jogo” ; o futebol deve ser o único motivo que faz o sistema económico e laboral abrandar a exigência da produtividade contínua, e que nos permite funcionar a outro ritmo, menos produtivo e mais colectivo e prazenteiro. É bom quando o mundo funciona de outra forma, ainda que sejam só por duas horas e nestas circunstâncias.
E bonito, bonito foi termos o 1-0 e a passagem ao outro nível que não me lembro se são os oitavos ou os quartos de final
24 junho 2006
A 100ª posta
Soul sister
Quando é que desces a montanha, deixas a humidade peganhenta e os mosquitos ?
Preciso das nossas conversas, sobretudo quando ligas o 'descomplicómetro', no teu inigualável estilo rough, práctico e espartano.
Precisava que estivesses aqui, à mão de me entender.
Já sei que vais dizer que sou uma lamechas, uma piegas incurável. E ainda és capaz de te rir por cima. Mas eu não me importo.
Eu sou assim e tu sabes disso.
Não é verdade que só faz falta quem cá está.
Bolas, que tu me fazes falta.
Prometo fazer melhor as coisas.
Tenho saudades tuas.
Aposto que tens saudades minhas.
(suspiro)
Pronto, está dito.
23 junho 2006
A advogada, a dentista, o amante delas e a sua mulher
A casa contra-ataca
E o prémio vai para...
22 junho 2006
Tema de gajas
Comentar cortes de cabelo, ora aí está. Nunca ouvi nenhum gajo a dizer a outro “ah, cortaste o cabelo, fica-te tão bem”. Ou “que madeixas tão giras”. Ou “desculpa lá a pergunta, mas essa é a tua cor natural de cabelo?”.
Ok, cortes de cabelo é tema de gaja, definitivamente.
Ainda ontem encontrei uma amiga que já não via há imenso tempo. Depois de me ter actualizado sobre a sua vida profissional disse-lhe “estás cá com um bronze” (outro tema nitidamente feminino), seguido de “e mudaste o corte de cabelo”. “Ah, sim, cortei ontem, ainda não me habituei”. Respondi logo “fica-te mesmo bem” – claro, porque uma das regras de ouro femininas é apenas verbalizar uma coisa nova que favoreça a outra, porque para dizer mal já basta o espelho e a capacidade autocrítica mais que ácida de todas as meninas.
Não contente com isto, acrescentei: mudaste também a cor do cabelo. Aqui pus a pata na poça. Ela reclamou logo que não tinha mudado, mas como tinha cortado o cabelo perdeu as pontas alouradas, e assim os seus abundantes cabelos brancos notavam-se mais. Eu insistia que lhe ficavam tão bem que até pensava que tinham sido feitas de propósito, mas na realidade nada do que eu dissesse podia curar a asneira que tinha sido feita. Tinha-lhe lembrado a sua idade biológica.
É que outra regra de ouro para as mulheres é nunca parecerem mais anos dos que realmente têm. Se alguma pedir para se lhe adivinhar a idade, convém dar sempre uma margem de uns 5 a menos do que parece. E mesmo assim, a coisa mais sábia a fazer é não tocar no assunto.
Numas férias de verão, tinha eu 19 anos, a senhora da limpeza da casa de férias quando me viu a guiar o carro perguntou-me a idade e ficou tão espantada que me disse “Podiam-me cortar a cabeça que não lhe dava mais de 14”, ao que eu respondi “pois a mim podiam-me cortar a cabeça que não lhe dava menos de 65”. Nunca mais voltou para me fazer a cama.
every little thing...
'cause i'm sure i haven't seen it all...
is that the moon in your backyard
dragging me down?
Há mais marés que marinheiros
Ohhh, que chatice!!! Já tinha visto este filme!!!
21 junho 2006
20 junho 2006
Missão Impossível?
A casa
Primeiro atacou-me fisicamente.
Começou com uma queimadura de 3º grau nos nós dos dedos da mão direita. Era o meu primeiro jantar de família na casa nova, fiz bacalhau no forno. Para ver se já estava pronto enfiei a mão mal protegida por uma pega, toquei com os dedos na grelha e por uma qualquer força misteriosa não os tirei durante uns belos segundos. Ainda tenho as marcas.
Depois, foi com sangue. Estava a lavar um pirex; bem sei, já tinha uma racha, mas eu tenho muita dificuldade em deitar coisas fora, achei que ainda podia servir para qualquer coisinha. A esfregar com mais intenção um bocado de esturricado, a coisa partiu-se enfiando-se pela base do meu polegar adentro. Não doeu muito, mas fiquei fascinada por ter sido apresentada ao interior da minha carne, não sabia que tinha tanta até chegar ao osso.
Como tenho uma veia de rambo, decidi cozer-me eu mesma em casa. Rambo sim, mas pós-moderna, usei daqueles pontos da farmácia. Andei assim durante duas semanas, e ainda tenho a cicatriz a quem quiser desafiar a veracidade da história.
Verificando a casa que eu sou resiliente, apesar de tudo comprei a casa, pago o condomínio e os impostos, não é uma queimadura ou um naco de carne a menos que me vão fazer desistir, atacou com animais.
Timidamente umas formigas apareceram. Eliminando fontes de alimentação exteriores, e à conta de muita sapatada, lá se foram embora.
Chegaram então os pombos, que encontraram maneira de se infiltrarem no meu sótão, onde creio abriram um bordel para aves. Um dia acordei com um barulho semelhante a um insuficiente respiratório em clímax contínuo e desesperado. Depois de perceber que não era nenhum vizinho à beira da morte tentei voltar a dormir.
Vendo que tão pouco esta estratégia resultava, vieram os ratos que devem ter comido os pombos (ou então os ditos perderam as asas, à conta de tanta actividade reprodutora). Em vez de sentir um esvoaçar ocasional por cima da minha cabeça, tenho agora corridas a passinhos pequenos e rápidos. Ao menos são mais silenciosos nos seus momentos de amor.
Se tal não bastasse, a casa enviou-me bichos de prata. No início pensei que fossem pequenas baratas, que se iriam embora com a sapatada ocasional (se funcionou com as formigas, que são mais inteligentes, também havia de funcionar com estes). Mas os brutos não se moveram. Usei umas casinhas de insecticida, que me diziam ser ideais para o efeito, mas eles gostaram tanto delas que constituíram família lá dentro e tudo; pensariam eles que era o seu Versalhes pessoal?
Ataquei com uma coisa chamada biokill, mas parece que eles gostam tanto daquilo como a minha irmã de sumol de ananás.
Ainda andamos em luta. Qualquer dia começam eles a escrever no blogue.
19 junho 2006
O Jardim das Magnólias
Genética para leigos
A propósito de situações embaraçosas...
Estrela do Mar
Dicionário
I., aos seus 20 meses já tem um dicionário próprio e que lhe vai funcionando muito bem para fazer a sua vida :
PAPÁ, MAMÃ, BEBÉ são as palavras que mais utiliza em variadíssimas ocasiões, fazendo variações com as silabas, mapapá, pámamã, bébébé, entre outras..
BABÁ – para água
COTECOTECOTE- para sumos e yogurts
COITECOITE – patos, balançando o corpo à espera que eu cante: o pato, vinha cantando alegremente quém quém quém...
NHÃ NHÃ – para comida em geral e banana em particular
BÁÁ- para vaca em especial, mas também para cavalos e ovelhas.
ÃO ÃO para cães, foi das suas primeiras palavras
MÉMÉ – para meninos e meninas
ABOR – tractor, máquina que a fascina
BZZZ – abelhas e moscas
ABÔ – avô
ABÓ – avó
CÓCÓÓ – para avisar que tem cócó ou chichi, ou que quer mudar a fralda
Para além destas (e doutras) palavras utiliza outros recursos vocais igualmente eficientes, entre os quais o grito, instrumento poderoso que a fez ganhar a alcunha da “máquina do guincho”
Veremos como vai evoluindo este processo de comunicação com o mundo...
18 junho 2006
A herança
Tradução
Sangue frio = acertar na resposta correcta (“a, b ou c?”, seja qual for o conteúdo) dentro do tempo estipulado
Perspicácia = vaca, paio, mija, ranço, reco, fortuna, ventura, acaso, à toa, sorte
17 junho 2006
Balada da bela burguesa sem um olho
um estilhaço de vidro fez o resto
Mario Cesariny, é sempre um dos nossos
16 junho 2006
Alguém pode atirar a primeira pedra?
Quem me dera ser um átomo
Os átomos não morrem. Ainda andam por aqui os mesmos que apareceram desde o início dos tempos.
Se calhar um dos que está na ponta do meu dedo indicador fez parte do baço de um dinossauro, do sistema digestivo de um mamute, da ponta de uma antena de uma barata, da segunda pétala a contar da esquerda de um malmequer, da asa direita de uma abelha, dum pelo na orelha de uma vaca, da tira de couro do cinto de Viriato, de uma ponte em Abrantes, de uma pedra no rio Tejo, de uma Lampreia, da barriga da minha avó, dos ovários da minha mãe. E agora estou a olhar para ele.
15 junho 2006
Cada um dá o melhor de si
Ressaca
Deixe a sua resposta em baixo (que vou ali tomar um guronsan e já volto).
A parte é maior que o todo
14 junho 2006
The sound and the fury
Life’s but a walking shadow, a poor player,
That struts and frets upon the stage,
And then is heard no more. It is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.
William Shakespeare, Macbeth, acto 5, cena 5
e agora para algo completamente diferente...
13 junho 2006
Entretenimento forçado
Um non sense cheio de sentido.
12 junho 2006
A mala
Há mais de 30 anos que ouço 'as malas das mulheres são um mistério insondável', 'nas malas das mulheres cabem uma infinidade de coisas (tipo, o mundo inteiro)', 'de certeza que tens isso aí dentro da tua mala', etc, etc, etc. Vou dar então o meu contributo para a elucidação desta questão e esvaziar publicamente o conteúdo da minha mala. Aqui vai:
- 1 carteira com documentos (B.I., NIF, e por aí fora)
- 1 carteira-carteira
- 1 agenda roxa moleskine completamente desactualizada
- 1 penso higiénico e 2 tampões
- 1 mola para o cabelo
- 4 ganchos
- 1 caixa de pastilhas elásticas vazia
- 2 isqueiros (um vazio e outro que ainda funciona)
- 1 maço de cigarros
- 2 canetas
- 2 pacotes de adoçante (vá-se lá saber porquê)
- 1 PT Card esgotado (quase de certeza)
- 3 cartões
- 2 papeis amarfanhados com anotações IMPORTANTES
- o meu telemóvel
- 1 escova de cabelo
- 1 caderno de notas (muita giro!)
- vários cupões do Minipreço (oops, publicidade)
- 1 baton para o cieiro
- 1 bolsa com comprimidos, preservativos, elásticos e 1 espelho
Bom, e foi isto que encontrei. Como ouvi uma vez no filme 'O Costa de África', "não posso renunciar à mala". MESMO.
E vocês, o que têm na vossa mala?
11 junho 2006
Pois é
Fixe...
Humm humm.
Nas imagens da televisão, qualquer incauto poderia pensar que Portugal e Angola tinham empatado, ambos jogadores estavam com ar desanimado no final do jogo. Já cá fora, nas claques, o incauto ficaria confundido, Portugal parecia ter perdido e Angola parecia ter ganho.
Pois é, tudo depende da perspectiva com que se olham as coisas.
hell is the impossibility of reason
consegues ver-me?
consegues ler-me nos olhos a "impossibilidade da razão" quando me amas?
consegues interceptar nos meus movimentos aquela típica característica felina, em câmara lenta cautelosa, quando me dizes baixinho ao ouvido que sou tudo para ti...?
sabes de cor o meu sabor mesmo quando não saibo a nada?
...porque eu nem sempre me vejo...
...nem sempre me sinto...
onde estás?
consegues evitar a tempestade mesmo que eu não a anuncie?
A santíssima humanidade
- Nanrei Kobori, abade budista, em conversa com Carl Sagan (in "Sombras de antepassados esquecidos")
Andei a ler por aí divagações sobre a existência de Deus e sua localização (onde estava Ele quando aconteceu isto ou aquilo). Normalmente, as pessoas apenas questionam a Sua existência e geografia na desgraça.
Mas em verdade vos digo, se Ele existir está em todo o lado e em lugar nenhum. Tem mais que fazer do que andar a ocupar-se em limpar o rasto de merda que o homem vai deixando atrás de si.
A grande questão é: Onde estão os homens quando há fome no mundo? Onde estão os homens quando há limpeza étnica? Onde estão os homens quando há desigualdades sociais, injustiças, violência doméstica?
Onde raio está o homem quando tudo isso acontece?
Estranhamente (ou não) a resposta é a mesma que para Deus: em todo o lado e em lugar nenhum.
E assim se acaba de provar que Deus foi feito à imagem e semelhança do Homem. Como queríamos demonstrar.
(No entanto, continuo a escrever o Seu nome com maiúscula. Não vá dar-se o caso de estar errada...).
10 junho 2006
To Have and Have Not
Cinzas e neve
Talvez das coisas mais belas que já tive a sorte de ver até hoje, na forma de um site em www.ashesandsnow.org.
Um must. E o sabor na minha cara, já salgado.... Incontrolável o jorrar de emoções... Impossível passar ao lado. Visitem.
09 junho 2006
Boletim clínico: 09.06.2006
08 junho 2006
O Difícil Parto da Lei da Paridade
A questão da lei da paridade não é de todo de ampla aceitação. Comunistas e Sociais Democráticos encontram-se em acordo e acham-na indignificante para as mulheres. Pelos votos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, conseguiu a duras penas ser aprovada para esbarrar por fim, no veto do Presidente da República.
Tenho ouvido várias pessoas, algumas tradicionais defensoras dos direitos das mulheres estarem de acordo com o veto à lei e outras aprovar com a cabeça num silêncio afirmativo e algo provocativo. Sentem-se divididas, por um lado acham que as mulheres têm tanta ou mais competência para exercer cargos políticos, por outro acham que ter uma lei que a isso obrigue não vai trazer consequências positivas, pois o partidos vão escolher jarras floridas e não mulheres políticas para as suas listas, ou que as mulheres não tem que ser privilegiadas só pela sua biologia.
Não estou de acordo, assim como também discordo com o Presidente da República, quando afirma que esta lei parece “interferir, de forma exorbitante, na liberdade e identidade ideológica de cada partido relativamente à matéria da paridade e limitar a sua autodeterminação política interna em poder organizar as listas de candidatos de acordo com a vontade dos respectivos órgãos eleitos democraticamente”. Gostei particularmente do adjectivo “exorbitante”, que poderia ser traduzido em linguagem popular como “ai minha nossa senhora deus nos acuda”.
Só as leis não são suficientes para mudar as mentalidades da noite para o dia, pois estas andam a passo de caracol gigante, mas são necessárias para orientar o processo de mudança.
A explicação de que as mulheres não participam na política porque não querem é demasiado redutora. Parece dar a entender que há uma espécie de desagrado ou indiferença política congenitamente feminina. E se esquece que só há menos de 30 anos e muito lentamente é que as mulheres têm vindo a tomar parte mais activa na vida política do país ao nível da participação nas estruturas públicas de decisão, um tempo muito curto para os anos e anos de história colectiva de dominação-subordinação entre homens e mulheres, que foi (é) prejudicial a ambos mas em maior intensidade para as mulheres.
Não faltam também na vox populi os tradicionais exemplos da Condolezza Rice ou a Margaret Thatcher como aqueles que melhor ilustram a tirania a que pode chegar uma mulher num cargo com poder. Mas não podemos ignorar que o sistema de poder que tem estado instituído no nosso sistema política, económico e social, tradicionalmente exercido pelos homens, tem condicionado a construção das nossas identidades como homens ou como mulheres, as nossas escolhas sexuais, as nossas escolhas profissionais, domésticas e políticas. Temo-nos convencido que as relações de poder são motores de afago ao ego e não um exercício de cidadania, temos acreditado que a força das armas são uma resposta possível para manter a Ordem Mundial e que os valores das sociedades ocidentais devem predominar sobre todas as outras culturas a que chamamos primitivas ou em vias de desenvolvimento para contrastar devidamente com o nosso mundo civilizado ou desenvolvido. Temos acreditado que o poder é para ser exercido sobre o outro e não com o outro, exerce-se pela força e há que ser duro, implacável e desonesto para aceder a ele, “há que tê-los no sítio” e separar muito bem o trabalho da vida privada, ser bom trabalhador/a e não desiludir a máquina económica que alimentamos com a convicção que é ela quem nos sustenta a existência. Talvez por isso personagens como Bush, Rice ou Thatcher, entre tantos outros e algumas outras, tenham vingado na cena política.
Os exemplos que nos dão experiências da implementação da lei da paridade noutros países, pese embora as suas inevitáveis dificuldades, mostram que a maior representação das mulheres na política é benéfica para ambos os sexos e permite tornar o sistema político mais representativo da vida. A implementação desta lei permitiu num tempo não muito curto que se fizessem sentir mudanças na representação e na qualidade da vida política. Até pode ser que num primeiro momento de aflição os partidos políticos escolham a primeira D. Albertina que lhes apareça e lhes digam que no intervalo entre a novela das 11 e as 5 da tarde dê ali um saltinho à Junta de Freguesia ou ao Parlamento, junto com o Sr Manel que lá está entre uma jogatana com os amigos e o jogo do Benfica, mas até nem estou tão descrente dos nossos partidos políticos, acredito que mais cedo que tarde, uma série de mulheres com vontade de participar nas decisões políticas do nosso país e das suas comunidades encontrariam o espaço que vêm procurando para poder assumir-se e exercer-se como sujeitos políticos que (também) são.
Numa sociedade sem representação política das mulheres será muito mais difícil construir sociedades onde o espaço privado e o público possam ser valorizados de igual forma. Será muito mais difícil reconhecer a importância que o trabalho reprodutivo (as tarefas domésticas, o cuidado de crianças e idosos, etc.) têm para a nossa vida pessoal e para a economia do país, e permitir que tanto homens como mulheres possam viver mais integralmente todos as âmbitos da vida.
A Democracia não é um estado ideal, é um estado possível, inscreve-se nas circunstâncias e contextos de cada país e cada comunidade, e também nas das suas mulheres e dos seus homens, é feita, refeita, ensaiada. E numa democracia não se pode subrepresentar mais de 50% dos cidadãos.
Por tudo isto, não posso estar de acordo com a interrupção ao parto da lei da paridade.
Protesto.
Cinderela revisited
Fim.
07 junho 2006
o chá quente do deserto no parque dos índios
O calor vai entrando em vagas dentro da mesa amarela. Apoio-me para a corrente do que já adormeci poder levar um maravilhoso ramo de flores com um sorriso e um vestido à sala onde me esperam.
Gostava imenso de, assim sem dar muito por isso, ir lá, dizer umas coisas e vir-me embora. Assim sem dar muito por isso.
São sete pessoas sentadas juntas e formam um quadro até agradável. Rosas, tulipas e champagne enfeitam os corredores que desembocam na sala.
As pessoas: quatro mulheres e três homens. As pessoas: quatro mulheres, dois homens e dois adolescentes. Entreolham-se e sabem que o que vai acontecer não depende assim muito delas. Daqui não me vêem. Deixo que me imaginem muito melhor, atarefada com a sua noite. O que resta. Continuo apoiada na mesa amarela que já me queima. É bom.
Os outros mexem-se e remexem-se, procurando-me com os olhos mesmo muito secos. Cada um deles me espera de sítios diferentes.
Posso voar por cima deles com o calor e o champagne que fui entornando na mesa e lambendo.
Ouço que os filhos deles se encontram em fases diferentes entre usar fraldas e deixar de o fazer. Eles comparam experiências e trocam conselhos, truques e dicas.
O adolescente vai olhando para a minha música sem grandes surpresas. Como eu para ele. Só que eu posso voar.
Viva a democracia e quem nela vive
- Então posso chegar só para assistir à mesa redonda?
- Sim, mas tem de comprar bilhete na mesma .
- Desculpe?
- Mesmo que venha só para o debate tem de comprar bilhete para a sessão .
- Pensava que tinha dito que era aberto a toda a gente.
- Sim, a toda a gente que comprar o bilhete para o filme .
- Mesmo que não o veja?
- Sim.
Debate “A PIDE e a resistência ao Estado Novo”, no cinema King.
O touro da praça e a vaca do talho
Foram levantadas várias questões muito pertinentes, uma das quais é: lidamos bem com o que não vemos.
No outro dia fui ao talho, pedi costeletas de borrego; o senhor disse que ia buscar ao frigorifico. Eu estava à espera de ver aqueles bocados de carne amorosos e deliciosos, mas em vez disso o senhor sacou de um tronco completo, com pescoço caixa torácica e tudo. Podia ser uma pessoa, podia ser eu.
Começou a escortanhar aquilo à minha frente com uma destreza impressionante. Garanto-vos que tive de me controlar para não vomitar mesmo ali à porta.
Eu gosto mesmo muito de carne, mas ver aquele pobre borrego ser estraçalhado fez-me pensar que a diferença entre mim e ele é um mísero degrau na cadeia alimentar.
De outra vez, estava de passagem em Espanha, e tinha de escolher entre carne e peixe para o repasto. Escolhi a carne, sem saber que me vinha na rifa cocido gallego, uma versão do nosso cozido. Deliciei-me com uma parte muito boa perto do osso, quando buscava mais da mesma dei a volta a um osso para descobrir que era um maxilar, com uma fileira de dentes iguaizinhos aos nossos, com cáries e tudo. Aquilo deu-me uma noja!! Mas para não dar parte fraca tapei com uma pele que por ali andava e comi as couves.
A pergunta é: isso fez-me deixar de comer carne? sim, porque se eu quiser de facto defender os direitos dos animais com propriedade não posso comê-los. Então vou andar aos gritos “não matem os touros, coitadinhos dos touros” e depois chego ao talho e peço meio quilo de bifes da vazia? Qual é a diferença entre o touro da praça e a vaca do talho?
Eu cá não gosto de touradas, a única coisa que me faz minimamente vibrar são as pegas de caras porque me parecem democráticas. Um touro, 8 gajos 8, corpo a corpo e está a andar.
Também me parece hipócrita a cena de fazer touradas mas ser proibido matar o touro na praça.
Não é uma causa minha, a da abolição das touradas. Mas por uma questão de coerência as pessoas que andam por aí a manifestar-se contra estas festas populares deveriam pensar no franguinho cheio de anabolizantes e antibióticos, que crescem em espaços exíguos; nas vaquinhas que dão leite e vitelos para os bifes; nos borregos das costeletas; na matança do porco, e por aí adiante.
A única causa que tenho é não usar peles verdadeiras, e nessa sou fundamentalista. Não como leopardo, nem martas, nem chinchilas, nem visons.
Boletim clínico
06 junho 2006
Que nome se dará?
Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Quanto tempo o tempo tem?
És cá dos meus III
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto do vinho que ficou no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
Não perguntes.
Ingeborg Bachmann, és cá das minhas.
05 junho 2006
Fim da tarde
A melhor carta é aquela que nos lê a nós....
Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.
Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim. Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim)" .
"O Amor" de António Mega Ferreira
E mais nada
in Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios, capitulo 13
Há dias assim
E nessa solidão uma multidão de eus de dedo no ar, opinativos e afirmativos, querendo impor-se aos outros. Moderadora de mim mesma, das minhas diversas facetas e personalidades.
De vez em quando ganha alguém, mas o problema começa quando há empates técnicos. Quando se consegue ver as vantagens de algumas formas em relação às outras, mas mutuamente exclusivas. Necessário decidir. A qual deles se dá voz e corpo?
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A Perda de mim
O meu coração terá avariado? As eternas divagações do problema que julgamos sem solução, o problema que nunca se vai resolver, mas que também não mata de uma só vez. Todos os dias amo menos, sinto menos, sofro menos…
Ontem apreciei a noite de rostos de incógnitos e música no ar, os copos sobre a mesa e o prazer das companhias e pensei em ti, na cumplicidade, tu ias ler o meu olhar, tu ias decifrar a minha expressão, podes libertar esse meu manual de instruções? Já não te faz falta, faz-me a mim… Perdi-me algures…
Não consegui preencher os silêncios que inundavam este meu espaço infinito de palavras sem voz… Mas tu ouviste não ouviste? Tu sabias ouvir o meu silêncio… Eu sei… Eram urgentes as palavras… Eu sei…
Numa certa altura dá-se tudo desde que não se dê a intimidade, a privacidade a entrega. Desde que não se revelem as coisas que nos aceleram o coração, que nos façam sentir…Mas… eu senti, às vezes não sei se tu alguma vez soubeste o quanto senti e o quanto ressenti por não ter tido a coragem de ecoar-te palavras… Perdi-me algures…
04 junho 2006
momentos de azul
E ainda a madrugada quase toda à minha frente para te descrever o quanto estar aprisionada no seio desta corrente sonora em tons de azul incandescente, me tonifica os membros, as mãos, os pés, a coluna vertebral e me define, indiscutivelmente.
rock in rio da minha janela
Neste momento estão a passar os Blur com uma batida techno (ainda se diz assim?). Mais cedo foram os Da weasel, ouviu-se o retratamento com uma limpeza. E grátis.
Do outro lado da minha casa há uma escola primária. Para comemorar o dia da criança puseram a malta toda no recreio e música aos berros. Não entendi se era uma estratégia para amolecer as criaturas, mas é no mínimo estranho ver um pátio cheio de miudos a brincarem ao som do "una mano en la cintura, un movimiento sexy, un movimiento sexy, ahora impieza a menear!"
Enquanto tentava abstrair-me para continuar a trabalhar, a afastar pensamentos de belgas e casas pias, mudaram a música. Desta foi "suavemente besame, quiero sentir tus labios besandome otra vez". Achei que era pessoal. Saí de casa e só voltei no fim de semana, sabendo que aí o unico barulho que me poderia incomodar seria o dos pombos.
Os pombos são dos animais mais nojentos que conheço. Pensei em lançar o boato que a gripe das aves teria já entrado em Portugal, tendo sido detectado num dos ditos bichos o famigerado H5N1 - achei que seria o suficiente para levar à exterminação compulsiva dos ratos alados que infestam a cidade de Lisboa. No entanto alguém me disse que seria possível causar o pânico na cidade, o que nem por isso me demoveu. Fez-me sentir que poderia ser elevada à categoria de Orson Welles portuguesa, que é no mínimo um elogio do caraças. Ainda estou a pensar no assunto. Se ouvirem falar numa notícia que se assemelhe a qualquer coisa que acabei de escrever, cuja fonte foi oitoecoisa (nome fictício), sorriam e não se preocupem. Quer dizer que estive a trabalhar para o bem comum.
Respirar I
03 junho 2006
ida de compras
Gosto de pessoas assim
Gosto de pessoas de poucas palavras.
Gosto de pessoas discretas.
Gosto de pessoas que gostam de gatos e de cães.
Gosto de pessoas que dizem 'algibeira' em vez de 'bolso', 'claxon' em vez de 'buzina' e que dizem 'rapaziada', mesmo quando se referem a um grupo de septuagenários.
Gosto de pessoas que usam expressões como 'estás com a mosca' ou 'ir na bisga'.
Gosto de pessoas que vêem jogos de futebol na televisão de auscultadores, ouvindo o relato na rádio em simultâneo.
Gosto de pessoas que ouvem emissões de rádio em onda curta, onda média e onda longa.
Gosto de pessoas que acumulam pilhas de livros sem nunca as arrumarem nas estantes.
Gosto de pessoas que compram camisas em Miami sem serem foleiras.
Gosto de pessoas que dizem que a sua bebida preferida é água tónica, com gelo, limão e umas gotas de gin.
Gosto de pessoas que atendem o telefone e dizem: 'estou sim, faz favor'.
Gosto de pessoas que reconhecem e valorizam a inteligência infinita das mulheres.
Gosto de pessoas que têm uma bolsa de valores sólida e segura.
Gosto de pessoas que parecem não pertencer a um espaço e tempo fixados.
Gosto de pessoas que me ensinaram a experiência magnífica do amor, da amizade e da lealdade.
Gosto de pessoas que sempre gostaram de mim.
E por isso - e muito mais - tropeço todos, todos, todos os dias na saudade de pessoas assim.
És cá dos meus II
Eu sei que as túlipas
são os olhos de todos os aviões perdidos.
Eu sei que as cidades
são os esqueletos das aves de rapina.
Eu sei que os candeeiros ardendo de noite
são os pulmões dos peixes-voadores.
Eu sei que o mistério
é uma dentadura abandonada.
Eu sei que a loucura
é um braço solitário sorrindo eternamente.
Eu sei que os meus olhos
são as tuas pernas frementes.
Eu sei que os teus cabelos
são o meu acendedor de pirilampos.
Eu sei que a tua boca
é o meu uivo solar.
Eu sei que o teu peito e o teu sexo
são a minha água profundamente azul
onde se encontram todos os fantasmas
já perdidos há séculos.
Mário Henrique Leiria, és cá dos meus.
As regras do jogo
Amigo: Mas há quem goste. Há mulheres que gostam de sair com homens assim porque lhes dá um extra kick. Porque enquanto dura aquele período de sedução eles lhes dão a sensação de exclusividade, fazem-nas sentir únicas e desejadas.
Eu: Não consigo entender, porque é tudo uma encenação, uma mentira, um logro.
Amigo: Mas elas sabem que é assim, sabem quais são as regras do jogo, gostam das emoções fortes. Enquanto são o "sabor do mês" sentem-se bestiais. Depois vem o golpe, claro.
Eu: E se uma pessoa não conhecer as regras do jogo? Se acreditar que de facto essa sensação de exclusividade, amor e desejo são verdadeiras?
Amigo: Está lixada.
Eu: Pois (passando o terceiro semáforo amarelo no limite, irritada com as verdades instantâneas que ouviu, sem saber que tipo de homem teve à sua frente. Sem conhecer as regras do jogo).
Um coração partido é das coisas mais tristes de ver e de sentir. Dói mais que morder a língua quando se mastiga pastilha elástica, bater com o mindinho na esquina de um móvel, desvitalizar um dente sem anestesia ou uma cólica renal. Às vezes dói como se fossem estas coisas todas ao mesmo tempo. E ainda não inventaram analgésico que o trate.
Do amor e outros demónios II
O tempo corria, a neve ia-se amontoando em volta da casa, mas continuávamos sós, sempre sós, os mesmos, enquanto lá longe, entre bulício e resplendor, multidões se afanavam, sofrendo e gozando, sem pensar em nós nem na nossa existência que fugia.
O pior era sentir que o costume nos encadeava a uma forma determinada de vida, que o nosso sentimento deixava de ser livre, ao submeter-se ao fluir do tempo, uniforme, sereno. Pela manhã estávamos alegres; ao meio-dia dignos, e à noite, ternos.
02 junho 2006
Do amor e outros demónios I
A tua mãe é tão feia...
És cá dos meus I
A minha geração já se calou /já se perdeu /já se cansou /desapareceu
ou então casou /ou então morreu /já se acabou.
A minha geração /de hedonistas e de ateus /de anti-clubistas
de anarquistas deprimidos /e de artistas e de autistas
estatelou-se docemente.
JP Simões, és cá dos meus.
01 junho 2006
Ainda sobre a existência do amor numa versão de um outro eu...
-Vi.
-E então? qual foi a sensação?
-Não sei bem. acho que não foi nenhuma,se queres que te diga.
-Nem um arrepiozinho nas costas, nem uma borboleta no estômago? insistiu Eu 2.
-Talvez só uma borboleta. e magrinha...
Eu 2 deu-lhe o braço e atravessaram a estrada para o outro lado da rua onde ficava o restaurante onde iriam almoçar.
Já não estavam juntas há meses. conversas esporádicas no messenger, alguns telefonemas e pouco mais, mas era como se um só dia se tivesse passado sempre que se encontravam de novo.
Sentaram-se na esplanada a apanhar com os raios do sol já primaveril e pediram o prato do dia.
Eu 1 mexeu o seu café no final da refeição e retirou um cigarro do maço acendendo-o com o seu ar de estrela de cinema.
-De qualquer maneira, -disse pausadamente, aquela pessoa já não faz parte do meu imaginário sequer. foi mesmo só porque o vi.
Eu 2 riu-se.
-Muito bem. e levaste o almoço inteiro para conseguires sair-te com essa?
-A festa estava uma porcaria, disse Eu 1 ignorando o sarcasmo.-Aquilo era um antro de carnivoras a ver quem conseguia aparecer á frente dos flashes primeiro. Claro que encontrei o Sérgio da "foto clic!" também mas já disparava tudo ao lado e já tinha entornado gim nas calças.
-Nunca devias ter saido da revista amiga, esse trabalho deveria ter sido teu.
-Para quê? Para levar com figurinhas daquelas?
-Foste lá ter na mesma. mas desempregada. e tudo porquê? Porque essa besta te quis enfiar as mãos nas calças numa hora de almoço...e tu calaste a boca.
-Não me massacres mais com essa história Eu 2.
-Ok. Tá bem. Irrita-me vê-lo ganhar é só isso. E ele?
-Nada de especial para além de ter sido o porco do costume. passou por mim de raspão e chamou-me boazuda ao ouvido. Ía vomitando.
-Ok, Não me fales mais disso se não me queres ouvir mais. Estava a perguntar por ele mas não esse. Pelo outro.
- Já te disse que ele não me interessa mais, estava lá rodeado dos amigos e da namorada nova, que me interessa isso?
- Mas viu-te ao menos?
-Viu sim. Eu 1 sugou quase metade do cigarro junto com aquelas palavras,-Quando eu ia a sair da casa de banho, ele vinha a passar para ir ao bar. Olhou-me nos olhos. sem hesitar. Eu disse-lhe um olá seguro mas tenho a certeza que ele ouviu a minha voz a tremer. Custou-me muito isso.
-Aposto que ele te disse alguma coisa mais Eu 1.
-Disse...
Eu 1 esborrachou o cigarro com força no cinzeiro de metal dourado. - Disse, "tenho saudades tuas", apertou o meu braço com força e seguiu caminho.
Eu 2 suspirou. -Sempre oportuno.
-Não me interessa. Não me interessa mais.
-Ele viu-te. agora vai querer ligar-te.
-E que tenho eu com isso? achas porventura que lhe atendo a porcaria do telefone?
Eu 2 ficou calada a fitá-la durante uns momentos.
Eu 1 abriu o maço com as mãos ligeiramente trémulas , -Eu sei.Eu também acho...
Sobre a existência do amor
Eu 2: ???
Eu 1: Não existe, simplesmente não existe. Foi uma invenção mantida ao longo dos anos pelo livros e filmes, querendo fazer-nos crer a nós, tontas românticas, que existe. E em nome desse tal de amor verdadeiro, que traz borboletas e estrelas e sei lá que mais, nós as tontas deixamos os homens bons da nossa vida à procura dessa tal merda maior que não existe. E nessa merda dessa busca damos cabo de pessoas bestiais, e damos cabo de nós mesmas a darmos tempo de antena a estupores de merda. Que como são inteligentes e viram esses mesmo filmes e livros e sabem o que raio nós queremos, vão entrando e fazendo-se passar pelo tal de amor verdadeiro. E depois ficamos agarradas, porque os espertalhões que vendem o amor verdadeiro não o têm para dar e os que o têm para dar não o publicitam. O mundo está todo ao contrário.
Eu 2: Estás doida. O que é que andaste a beber hoje?
Eu 1: Não vês que eu tenho razão? Isto pode estar a soar a uma grande maluquice, mas acho que é a das conclusões mais acertadas a que já cheguei na minha vida. Se calhar até fundo uma nova religião. O amor morreu, viva o amor. E aprendemos a construir um novo. Ou a reconhecer aquele que vale a pena. Mas sempre sabendo, e tendo sempre bem presente, que o tal do amor verdadeiro não existe, que nunca existiu, que nunca ninguém o viu, que nos enganaram estes anos todos. Que isto foi tudo uma grande aldrabice. Mas olha, mais vale tarde que nunca. E ainda bem que percebi isto. Se calhar escrevo um livro para explicar isto às pessoas, o que é que achas?
Eu 2: Acho que estás doida. Acho que estás completamente doida.
Eu 1: Olha lá, não sabes dizer mais nada?!
Eu 2 (respirando fundo): Acho que o amor existe, que não é invenção nenhuma. Que dá muito trabalho a encontrar, a manter, a distinguir o importante do acessório. A não nos deixarmos toldar pelas nossas inseguranças. Topas?
Ganhar e perder
No entanto, não dou saltos mortais quando ganho o que quer que seja. Mesmo que o windows lance fogos de artifício quando ganho uma partida de spider, eu não vou propriamente ligar às minhas amigas quando isso acontece.
“finalmente, consegui ganhar o spider com quatro naipes!” e elas, todas contentes, “sempre acreditámos em ti, continua!!”
Ou se ganhar as rifas dos bombeiros voluntários de alpiarça de baixo. Ou se for eleita administradora do condomínio. Ou se fizer o sudoku difícil da ultima folha do jornal.
Mesmo para a competitividade e sede de vitória existem limites. Ou não...
No outro dia vi um bocadinho dos globos de ouro. É um prémio dado pela revista Caras e SIC, em que os nomeados são votados pelos leitores da dita revista – o que, desde logo, faz com que não haja sufrágio universal, porque por muito que eu goste do Bernardo Sasseti não vou comprar a revista para votar no tipo. Mas ele lá estava na audiência a ver se pingava alguma coisa... adiante.
Ao ser-se escolhido entre quatro pelos leitores da supracitada revista faz de imediato perder qualquer alegria de reconhecimento pelos pares ou do público em geral, porque por muito que se esmifrem, a gente que compra a caras não é o público em geral.
E no entanto...
Vi duas pessoas a receberem prémios. E ambas exprimiam uma alegria no corpo e exaltação nas palavras que me surpreendeu. Ambos disseram “custou mas foi”. Ambos disseram “é bom ver o nosso trabalho reconhecido”.
Se de facto foram os leitores da revista a escolhê-los não consigo ver como possa isso ser uma alegria. São as mesmas pessoas que querem saber quem vai para a cama com quem, quem deu estalos a quem, quem se divorciou de quem, a quem morreu o pai, a mãe, o periquito ou o canário. São as pessoas que compram se houver fotografias de paparazzi, que querem saber quanto pesa e mede a filha da Catarina Furtado, se a Alexandra Lencastre tem distúrbios alimentares ou se a Maria Rueff se separou ou não do marido.
Qual é o gozo?! Finalmente o quê?!
UM CARNAVAL HISTÓRICO
Já não bastava para a Madalena estar sentada à mesa com os seus companheiros apóstolos e chamarem-lhe "gajo" e ainda corre o risco de descobrirem que, para além de ter andado enrolada com o ilustre senhor também lhe metia "os palitos" !!! chiça penico !!
O circo das celebridades não acaba nunca..... qualquer dia ainda conseguem desencantar uma fotografia do descendente real envolvido com uma plebeia qualquer e depois é que são elas.
Quem tem a culpa, quem é?
Hoje vieram-me dizer que a minha filha está muito esquisita, só faz birras, não tem paciência, etc. E como quem não quer a coisa perguntaram: tá tudo bem lá em casa? E eu já me esquecia que os pais é que têm a culpa de tudo, e agora que sou mãe tenho que começar a pensar como é que vou lidar com esta pressão social que já me está a cair em cima... Malditos, até parece que crescer é fácil para alguém, quanto mais para um ser tão recente ainda nestas lides da vida...