Maria era uma rapariga sociável. Ia a festas de amigos, de amigos de amigos, de amigos de amigos de amigos.
Durante alguns anos reparou num rapaz que costumava aparecer nessas festas, fantasiando sobre uma hipotética relação com ele. Mas ele insistia em não notar a sua presença.
De repente tudo isso mudou. Uma noite começaram a falar, e ficaram a falar toda a noite. Maria nem podia crer que aquele semi-deus germinado na sua imaginação estivesse ali, genuinamente interessado nela, e a ser tudo aquilo e mais do que ela teria previsto.
Quase nem acreditava quando ele a convidou para continuar a noite na sua casa; sem medo ela disse que sim. Foi uma noite superlativa, sexo abundante em qualidade e quantidade. Na manhã seguinte ele preparou o pequeno almoço e serviu-a na cama. Tinha de sair para o trabalho, mas deixou que Maria continuasse no remanso da sua cama.
Maria beliscava-se, parecia-lhe incrível que a sua sorte tivesse finalmente mudado. Afinal o homem da sua vida existia, era bonito, inteligente, interessante, bom na cama, e mais que nada, estava muito interessado nela.
Maria sabia que não podia estragar esta oportunidade do destino. Afinal, dizem, o cavalo branco só passa uma vez.
(decidi mudar a continuação da história. quem leu a outra versão leu, quem não leu tivesse lido)
Gozando da oportunidade de estar em casa do príncipe encantado, não resistiu à curiosidade de espreitar o armário para ver as roupas que ele usava. As camisas, as calças, os casacos. Passou para a cómoda. As t-shirts, as camisolas, as meias, as cuecas. Cheirava tudo tão bem.
Foi à casa de banho, lavou a cara, esfregou os dentes com a pasta de dentes na ponta do dedo. Viu-se ao espelho e sentiu-se poderosa.
Decidiu tomar um duche. Procurou as toalhas no armário grande da casa de banho. Encontrou as de bidé, de mãos, de corpo e de pés, todas cuidadosamente alinhadas. Congratulou-se por o seu novo amor ser ordenado como ela. Era decididamente o seu dia.
Quando voltou para o quarto procurou as roupas que tinham ficado espalhadas por todo o lado. As meias tinham ido parar debaixo da cama. Quando se baixou para as apanhar viu que havia uma caixa de sapatos debaixo do colchão.
Lembrou-se que tinha sido educada a respeitar o espaço dos outros, que já tinha sido uma intromissão na privacidade do rapaz espreitar o armário e a cómoda. Mas no fundo este era um homem que ela quase não conhecia, sentiu-se no direito de saber alguma coisa mais sobre ele. Se ele era o homem sa sua vida não ia ter segredos para ela, mesmo que ainda não o soubesse.
Tirou a caixa. Abriu a caixa. Viu o que estava lá dentro. Fechou-a. Vestiu-se. Foi-se embora.
Nem lhe deixou um bilhete de despedida.
9 comentários:
PS - um grande bem-haja ao fenomenal contador de histórias que nos deu a matéria para este texto. Ele sabe quem é.
esta posta é antológica. um grande bem-haja, ou talvez mesmo sarava!
Resta esperar que a Maria não se cruze com o oito e coisa nove e tal.
Mudei a história. Apeteceu-me. Sou multipla, posso fazer o que quero.
eu gostei das duas. da que ele contou e desta....viva a multiplicidade!
É impressão minha ou andaram recentemente a revisitar Buñuel ???
3 vivas à originalidade !!!
Olha o Paulo Portas veio ao nosso blogue!
oh bela de dia, não revi seu mestre não. Mas não me importo com a comparação. O Luis é baril.
Ao reler lembrei-me do saudoso Max. "tinha lá dentro uma... cheia de pouca sorte". Sou mais terra a terra.
Pois eu gostei mais da versão escatológica. E fazendo parte do grupo dos que leram-leram (os que não-leram não-leram ficarão a ver navios, coitados)posso imaginar o que a Maria terá encontrado dentro da caixa: o cócó, bem embrulhadinho, da ... Vanessa. O linguarudo do MEC andou para aí a dizer que o amor é fodido. Mas fodido, fodido, é não pagar a conta da água.
Tadinha da Maria.
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