Desde sempre que tento fazer as pazes com as más lembranças, este exercício de perdoar, de esquecer, de admitir, perdoar o que fomos que não somos, ou, mesmo que também somos o que fomos, não é fácil.
Indago-me sobre o antónimo de feliz que é infeliz...que nome poderei dar o algo que surge entre esses dois extremos, ocupado pelo estado de não estar feliz, sem ser necessariamente infeliz, creio que se esqueceram de inventar um nome para esse sentir.
Aprender a deixar partir o que não quer ficar, aprender a partir, aprender a deixar, aprender a deixar de pôr palavras onde faltam gestos...
Tudo mudou uma vez, e outra, e ainda outra vez, num processo que parece nunca acabar. Será que é isto mesmo a vida nos oferece? A oportunidade de podermos transformar tantas vezes quantas quisermos a maneira como decidimos vivê-la, apesar do tempo limitado? Ou obriga-nos a seguir os ditames da sorte, retirando alternativas, forçando decisões?
Não sei, ainda não consegui definir se sou eu que controlo a minha vida ou se vou apenas seguindo os caminhos que me são apontados.
Decididamente, a minha vida não está como eu a imaginei, não tem que ser mau...é, simplesmente é! Não, não vou "dizer" aquilo que sinto. É melhor sentir aquilo poderia dizer...
Pensaste já, ó Outra, quão invisíveis somos uns para os outros? Meditaste já em quanto nos desconhecemos? Vemo-nos e não nos vemos. Ouvimo-nos e cada um escuta apenas uma voz que está dentro de si.
As palavras dos outros são erros do nosso ouvir, naufrágios do nosso entender. Com que confiança cremos no nosso sentido das palavras dos outros. Sabem-nos a morte, volúpias que outros põem em palavras. Lemos volúpia e vida no que os outros deixam cair dos lábios sem intenção de dar sentido profundo.
A voz dos regatos que interpretas, pura explicadora, a voz das árvores onde pomos sentido no seu murmúrio - ah, meu amor ignoto, quanto tudo isso é nós e fantasias tudo de cinza que se escoa pelas grades da nossa cela!"
Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego.
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