08 junho 2006

O Difícil Parto da Lei da Paridade


A questão da lei da paridade não é de todo de ampla aceitação. Comunistas e Sociais Democráticos encontram-se em acordo e acham-na indignificante para as mulheres. Pelos votos do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, conseguiu a duras penas ser aprovada para esbarrar por fim, no veto do Presidente da República.

Tenho ouvido várias pessoas, algumas tradicionais defensoras dos direitos das mulheres estarem de acordo com o veto à lei e outras aprovar com a cabeça num silêncio afirmativo e algo provocativo. Sentem-se divididas, por um lado acham que as mulheres têm tanta ou mais competência para exercer cargos políticos, por outro acham que ter uma lei que a isso obrigue não vai trazer consequências positivas, pois o partidos vão escolher jarras floridas e não mulheres políticas para as suas listas, ou que as mulheres não tem que ser privilegiadas só pela sua biologia.

Não estou de acordo, assim como também discordo com o Presidente da República, quando afirma que esta lei parece “interferir, de forma exorbitante, na liberdade e identidade ideológica de cada partido relativamente à matéria da paridade e limitar a sua autodeterminação política interna em poder organizar as listas de candidatos de acordo com a vontade dos respectivos órgãos eleitos democraticamente”. Gostei particularmente do adjectivo “exorbitante”, que poderia ser traduzido em linguagem popular como “ai minha nossa senhora deus nos acuda”.

Só as leis não são suficientes para mudar as mentalidades da noite para o dia, pois estas andam a passo de caracol gigante, mas são necessárias para orientar o processo de mudança.

A explicação de que as mulheres não participam na política porque não querem é demasiado redutora. Parece dar a entender que há uma espécie de desagrado ou indiferença política congenitamente feminina. E se esquece que só há menos de 30 anos e muito lentamente é que as mulheres têm vindo a tomar parte mais activa na vida política do país ao nível da participação nas estruturas públicas de decisão, um tempo muito curto para os anos e anos de história colectiva de dominação-subordinação entre homens e mulheres, que foi (é) prejudicial a ambos mas em maior intensidade para as mulheres.

Não faltam também na vox populi os tradicionais exemplos da Condolezza Rice ou a Margaret Thatcher como aqueles que melhor ilustram a tirania a que pode chegar uma mulher num cargo com poder. Mas não podemos ignorar que o sistema de poder que tem estado instituído no nosso sistema política, económico e social, tradicionalmente exercido pelos homens, tem condicionado a construção das nossas identidades como homens ou como mulheres, as nossas escolhas sexuais, as nossas escolhas profissionais, domésticas e políticas. Temo-nos convencido que as relações de poder são motores de afago ao ego e não um exercício de cidadania, temos acreditado que a força das armas são uma resposta possível para manter a Ordem Mundial e que os valores das sociedades ocidentais devem predominar sobre todas as outras culturas a que chamamos primitivas ou em vias de desenvolvimento para contrastar devidamente com o nosso mundo civilizado ou desenvolvido. Temos acreditado que o poder é para ser exercido sobre o outro e não com o outro, exerce-se pela força e há que ser duro, implacável e desonesto para aceder a ele, “há que tê-los no sítio” e separar muito bem o trabalho da vida privada, ser bom trabalhador/a e não desiludir a máquina económica que alimentamos com a convicção que é ela quem nos sustenta a existência. Talvez por isso personagens como Bush, Rice ou Thatcher, entre tantos outros e algumas outras, tenham vingado na cena política.

Os exemplos que nos dão experiências da implementação da lei da paridade noutros países, pese embora as suas inevitáveis dificuldades, mostram que a maior representação das mulheres na política é benéfica para ambos os sexos e permite tornar o sistema político mais representativo da vida. A implementação desta lei permitiu num tempo não muito curto que se fizessem sentir mudanças na representação e na qualidade da vida política. Até pode ser que num primeiro momento de aflição os partidos políticos escolham a primeira D. Albertina que lhes apareça e lhes digam que no intervalo entre a novela das 11 e as 5 da tarde dê ali um saltinho à Junta de Freguesia ou ao Parlamento, junto com o Sr Manel que lá está entre uma jogatana com os amigos e o jogo do Benfica, mas até nem estou tão descrente dos nossos partidos políticos, acredito que mais cedo que tarde, uma série de mulheres com vontade de participar nas decisões políticas do nosso país e das suas comunidades encontrariam o espaço que vêm procurando para poder assumir-se e exercer-se como sujeitos políticos que (também) são.

Numa sociedade sem representação política das mulheres será muito mais difícil construir sociedades onde o espaço privado e o público possam ser valorizados de igual forma. Será muito mais difícil reconhecer a importância que o trabalho reprodutivo (as tarefas domésticas, o cuidado de crianças e idosos, etc.) têm para a nossa vida pessoal e para a economia do país, e permitir que tanto homens como mulheres possam viver mais integralmente todos as âmbitos da vida.

A Democracia não é um estado ideal, é um estado possível, inscreve-se nas circunstâncias e contextos de cada país e cada comunidade, e também nas das suas mulheres e dos seus homens, é feita, refeita, ensaiada. E numa democracia não se pode subrepresentar mais de 50% dos cidadãos.

Por tudo isto, não posso estar de acordo com a interrupção ao parto da lei da paridade.

Protesto.

4 comentários:

Anónimo disse...

Protesto (mas não queimo o soutien).

8 e coisa 9 e tal disse...

eu também não, que bem falta me faz...

Anónimo disse...

Tenho sentimentos contraditórios em relação à lei da paridade.

No entanto, o que mais me arrepia neste veto é perceber que, tal como previsto, o nosso novo PR não tem intenção de ser uma figura meramente representativa - se isto é assim com a lei da paridade, já sabemos o que nos espera em relação ao aborto, à reprodução medicamente assistida, à eutanásia, enfim, a todos os temas minimamente controversos sobre os quais se deve pronunciar a AR e sobre os quais sabemos já qual será a posição do ex-PM. Mesmo que venha mascarada de "intervenção exorbitante na liberdade" de quem quer que seja.

No limite, todas as leis são intervenções na liberdade de alguns grupos. Portanto, será sempre um argumento a tirar da algibeira quando chegar o momento propício.

8 e coisa 9 e tal disse...

era bom que a questão fosse assim de simples, as mulheres são pessoas de cidadania... Bem estariamos... Mas o que é facto é que a cidadania ainda não é a mesma para os homens e para as mulheres, estas ainda têm condicções diferentes no trabalho(no emprego e no desemprego), nas oportunidades de acesso à politica e á vida pública, ainda são quem mais assumem o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos.

Mas lá chegaremos senhor pirata vermelho, lá chegaremos aos dia em que a nossa natureza biológica não nos aprisione tanto a uns e outras.